Portugal foi dos primeiros países a reconhecer a importância da acessibilidade WEB a nível mundial. 18 anos passados e apesar da legislação, na prática os resultados ficam à quem da efetiva inclusão dos cidadãos com deficiência.

O nosso país foi o quarto a nível mundial (o primeiro da União Europeia) a legislar sobre a acessibilidade WEB (RCM 97/99 de 26 de outubro), ainda que não referenciava na altura as WCAG 1.0. Desta forma, os sites da administração pública deveriam ter em conta o seguinte:

“1.1. As formas de organização e apresentação da informação facultada na Internet (…) devem ser escolhidas de forma a permitirem ou facilitarem o seu acesso pelos cidadãos com necessidades especiais.

1.2. A acessibilidade (…) deverá abranger, no mínimo, a informação relevante para a compreensão dos conteúdos e para a sua pesquisa.”

A RCM 97/99 surgiu na sequência da petição pela acessibilidade da Internet portuguesa (completamente eletrónica) apresentada ao parlamento português (a primeira a nível mundial) com mais de 9000 subscritores. Em junho de 2000 a União Europeia viria a basear-se na legislação portuguesa para alargar a acessibilidade WEB aos seus países membros através do plano de ação e-Europe 2002.

Ainda em 1999 foi criada a Unidade de Acompanhamento da Acessibilidade Web na Administração Pública portuguesa. Um dos objetivos desta entidade é prestar consultadoria nesta área. Hoje é a Unidade ACESSO da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, IP (FCT, IP).

Portugal ainda hoje tem uma visão inovadora de como deveria ser a informação na WEB. Salienta-se o trabalho extraordinário para que esta legislação se torne numa realidade.

Em 2007, um conjunto de cidadãos subscreveu a Petição pela Acessibilidade Electrónica onde se podia ler:

“Actualmente, os sistemas tecnológicos/informáticos estão presentes em quase todos os aspectos da nossa vida diária. Hoje em dia, é difícil viver sem Internet, programas informáticos, televisão, telefone/telemóvel, multibanco, máquinas diversas de venda de produtos e serviços. (…) O problema é que a maior parte destes produtos e/ou serviços são concebidos sem ter em conta o conceito de desenho universal, o que faz com que, muitas vezes, uma parte significativa da população esteja impedida de os poder usar. (…) É tempo de se dar mais um passo, este concreto, efectivo e determinante. (…)”

a) Todos os sites de toda a administração pública e de todas as grandes empresas respeitarem o nível “AA” das WAI ou outro sistema similar que venha a ser estabelecido; 

b) Todas as médias empresas e das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) respeitarem o nível “A” do WAI ou outro conjunto de normas a determinar;

c) De todos os sites de entidades ou instituições que prestem serviços considerados essenciais respeitarem o nível “A”, a não ser que se enquadrem na alínea a)

“No caso dos cidadãos com deficiência visual, a acessibilidade WEB está a evoluir e atualmente já se conseguem implementar aplicações WEB complexas acessíveis.”

Em suma, pode-se destacar os sites das médias e grandes empresas, IPSS e aqueles que prestam serviços essenciais para os cidadãos. Constatou-se que a legislação não viria a ter um âmbito tão amplo e importante para os cidadãos com deficiência e não foi por falta de empenho destas pessoas. Nos dias atuais ainda não existe legislação nacional ou europeia com o nível de abrangência definido na Petição pela Acessibilidade Electrónica Portuguesa. Passados 10 anos, ainda é necessário resgatar-se os ideais presentes neste documento para que os cidadãos com deficiência possam ter uma vida mais acessível na WEB. Porque não aproveitar-se a oportunidade que as diretivas da União Europeia vão criar em termos legislativos no nosso país? Contudo, a legislação não resolve o problema de fundo. É necessário reforçar-se as competências da entidade que atualmente tem poderes para monitorizar a acessibilidade dos sites. Tal reforço poderia incidir na aplicação de sanções (para os casos de inacessibilidade da informação após tentativas de sensibilização).

A RCM 155/2007 de 2 de outubro estabeleceu que os sites da Administração Pública Central eram obrigados a implementar as WCAG 1.0, sendo que os sites informativos tinham de estar conforme o nível A e os sites de prestação de serviços transacionais tinham de estar conforme o nível AA.

Com a evolução das tecnologias e com o contributo da sociedade, em Dezembro de 2008 foi lançada a versão 2.0 das WCAG. Esta última não mencionava quaisquer tecnologias, o que não acontecia com a versão 1.0. Em 2012 as WCAG 2.0 foram definidas como ISO International Standard, ou seja, a ISO/IEC 40500:2012.

O Decreto-lei n.º 36/2011 de 21 de Junho levou à criação da RCM n.º 91 de 2012 de 8 de novembro (conhecida como Regulamento Nacional de Interoperabilidade Digital - RNID) que especifica que a versão que tem de ser utilizada das WCAG é a 2.0. Estão novamente referenciados os níveis de acesso “A” para sites informativos e “AA” para sites transacionais. Adicionalmente são recomendados os níveis de acesso “AA” para sites informativos e “AAA” para sites transacionais (sem qualquer tipo de obrigatoriedade).

O Decreto-lei n.º 36/2011, no seu artigo 2.º, explicita de uma forma mais ampla o público-alvo a que se destina:

“a. Órgãos de soberania;

b. Serviços da administração pública central, incluindo institutos públicos e serviços desconcentrados do Estado;

c. Serviços da administração pública regional;

d. Setor empresarial do Estado.”

Pode-se traçar as linhas gerais do que estará previsto em termos de acessibilidade WEB na futura legislação portuguesa. Tais linhas encontram-se plasmadas nas diretivas da União Europeia:

> Para além da acessibilidade aos sites, a mesma também incidirá sobre as aplicações móveis;

> A acessibilidade estará sujeita a monitorização periódica, da qual serão emitidos relatórios públicos.

> O público-alvo está mais especificado (ainda que continue a não obrigar o setor privado a cumprir as WCAG): organismos públicos, desde os serviços administrativos, judiciais e policiais até aos hospitais, universidades e bibliotecas do setor público.

Salienta-se que ao nível dos relatórios já existe algum trabalho nesta área que pode ser consultado no Observatório Português da Acessibilidade WEB em: http://www.acessibilidade.gov.pt/observatorio/tags/018.

Neste site é possível consultar-se os nomes dos sites e respetivas classificações atribuídas pelo Access Monitor (validador automático desenvolvido e mantido pela Unidade Acesso da FCT, IP), entre outras informações estatísticas relevantes. Contudo, a monitorização da acessibilidade WEB pelas diversas entidades não deve ser feita apenas por meios automáticos. De forma manual é possível ter-se em conta o âmbito dos temas de cada página, verificar-se a coerência do texto descritivo de cada imagem, decidir-se a nomenclatura de cada região face ao conteúdo, entre outros aspetos essenciais.

No caso dos cidadãos com deficiência visual, a acessibilidade WEB está a evoluir e atualmente já se conseguem implementar aplicações WEB complexas acessíveis. Contudo, se estiverem em causa conceitos mais avançados, maiores serão as dificuldades deste público-alvo em navegarem nos portais. Isto deve-se porque a informática para este grupo de cidadãos baseia-se em conceitos. Outro aspeto prende-se com a evolução das tecnologias de apoio que também têm de progredir para interpretar corretamente as novas funcionalidades de acessibilidade WEB. Vale a pena apostar-se em implementações de última geração quando não são acompanhadas pelas diversas tecnologias de apoio para os diversos sistemas operativos? Há que ponderar tendo-se sempre em mente que a solução está na simplicidade e no balanceamento entre as vantagens e desvantagens de cada funcionalidade.

“Nada sobre nós, sem nós” é o lema adotado pelas pessoas com deficiência que a cada dia ganha outra importância. Não basta criar-se sites com acessibilidade. As diversas entidades têm de saber criar conteúdos acessíveis. Para tal o terceiro setor e a Unidade Acesso da FCT, IP são fundamentais na promoção de ações de sensibilização para que seja possível o direito à informação. Os cidadãos com deficiência têm de se fazer cada vez mais presentes para que a sociedade possa dar uma resposta profícua (uma das formas passa pela notificação à entidade que determinada funcionalidade ou conteúdo não está acessível). Se a luta pela implementação da acessibilidade WEB é difícil, não menos será a da criação de conteúdos em formato acessível.