Dos quarenta e cinco milhões de pessoas com deficiência visual no mundo, mais de dois terços (trinta milhões) são mulheres. A condição de cidadã com deficiência visual pode adquirir-se por diversas razões: por nascimento, por velhice e, ao longo da vida, por doença, acidente ou outros fatores que as atingem mais a elas que a eles. Destacam-se apenas alguns, como a toma de medicação que lhes provoca alterações hormonais, capazes de afetar o seu humor, causar a diminuição de lágrimas e, consequentemente, a secagem do olho, o que reduzirá a sua acuidade visual. Ora como está provado que a longevidade feminina é maior, mais se reflete nelas essa perda de visão. O fumo também amplia as cataratas e a gravidez pode, muitas vezes, aumentar a diabetes. Por outro lado, todas querem ficar mais belas e vaidosas. Daí que, não raras vezes, surjam complicações com lentes de contacto, cirurgias estéticas, produtos de maquilhagem de qualidade duvidosa, ou uso indevido de produtos não corretamente identificados, entre outros.

Por tudo isto as mulheres com deficiência visual têm um papel muito importante na promoção da sua própria autonomia educacional, social, económica, familiar e política, com vista à construção de uma plena e proativa cidadania. Para tal, é necessário que elas se saibam munir de um conjunto de estratégias e competências que lhes permitam aceder a um vasto manancial de produtos de apoio capazes de compensar as suas limitações. Assim, deverão, entre muitos outros aspetos, a nível doméstico:

- Etiquetar os alimentos;

- Organizar o vestuário por texturas, ou tipologias...;

- Desenvolver estratégias de deteção de nódoas, através do toque (porque a textura pode ficar diferente) ou do cheiro;

- Lavar ainda que não saiba se está realmente sujo;

- Dispor o mobiliário por forma a facilitar a orientação espacial em casa;

- Dispor objetos decorativos evitando a existência de arestas.

Saliente-se o quanto é importante para a autoestima da mulher com deficiência visual desenvolver atividades do quotidiano de forma autónoma, como levantar de manhã, utilizando o champô sem incomodar quem ainda dorme. Não confundir o pacote cartonado de leite com o de vinho que há-de ser colocado nos bifes que terá de temperar, sem que antes tenha havido engano no frigorífico, retirando as costeletas. Vestir a blusa branca, que dá melhor com a calça preta, sem risco de engano na cor, dando motivo a umas discretas risadas ou comentários sussurrados no local de trabalho, café ou qualquer outro lugar, tão destruidores da autoestima.

 Felizmente que hoje já existem plataformas online com preocupações de acessibilidade que permitem fazer compras de forma autónoma sem se perder no supermercado.

 A nível associativo, a mulher com deficiência visual pode:

- Colaborar com as empresas no desenvolvimento de eletrodomésticos acessíveis;

- Uniformizar regras para que interruptores liguem ou desliguem sempre da mesma forma;

- Pugnar para que existam soluções habitacionais que permitam a quem tiver baixa visão, facilitar o seu quotidiano, através do contraste de cor em portas e janelas, regulação de luminosidade e tantos outros;

  Tudo isto só é possível, nos dias de hoje, pelo desenvolvimento do conhecimento em áreas como: a habilitação, a reabilitação de pessoas com deficiência visual e a tecnologia. No campo da habilitação, salienta-se o trabalho dos centros de reabilitação, bem como das equipas multidisciplinares e de educação especial existentes nas escolas.

 Quanto à reabilitação, tem sido inegável o papel dos técnicos no ensino de Atividades da Vida Diária, Orientação e Mobilidade, dos professores de Educação Física (que estimulam a motricidade fina), dos que ensinam o sistema de leitura e escrita Braille, de quem ensina a escrita a tinta (repare-se na importância, cada vez mais premente, de saber assinar), dos terapeutas que trabalham a estimulação sensorial, entre tantos outros profissionais que promovem o exercício de uma cidadania ativa.

 No que se refere ao conhecimento tecnológico, lembro o papel preponderante das aplicações para telemóvel que hoje tanto facilitam a vida, nomeadamente a dos cidadãos com deficiência visual. Abençoadas sejam as empresas que desenvolvem produtos com sistemas áudio ou acessíveis a este tipo de público, fabricando, por exemplo: identificadores áudio que gravam e leem etiquetas, indicadores de cor, detetores de luz (que indicam se ela está apagada ou acesa), enfiadores de agulhas, medidores de tensão arterial e de líquidos (com beeps, que permitem encher recipientes sem entornar), balanças, calculadoras, termómetros, temporizadores (para avisar que a comida está pronta, e tantos outros utensílios com voz, facilitadores do quotidiano das pessoas com deficiência visual e que podem ser adquiridos nas empresas específicas, onde há técnicos capazes de indicar as melhores soluções. Esses produtos são também um excelente apoio na promoção da autonomia e integração socio-laboral

 Lembro ainda o papel determinante do computador com leitor de ecrã, pelo acesso que deu a um imenso manancial de informação e de formação a distância, garantindo às pessoas com deficiência visual um passo gigante no seu desenvolvimento e na sua cidadania, participando e tomando parte nas decisões nas diversas áreas da sociedade.

 Desde que, em 1997 a União Europeia rejeitou a política paternalista exercida perante as pessoas com deficiência, em que a mulher sofria uma dupla discriminação, por ser mulher e por ter uma deficiência, ocorreu uma mudança relevante, com a aprovação do Tratado de Amsterdão que, no seu artigo sexto, estabelece a possibilidade de "adotar medidas adequadas para lutar contra toda a discriminação por motivos de sexo, de origem racial ou étnica, religião ou crenças, deficiência, idade ou tendências sexuais".

 Talvez em consequência, hoje se fale e quase se imponha a igualdade de género e de oportunidades, o que abre caminhos a uma sociedade mais inclusiva, onde cada um tenha a sua palavra a dizer. E até neste campo a mulher, com destaque para a mulher com deficiência, se tem feito ouvir. A educação e a formação profissional são instrumentos indispensáveis para proporcionar essa igualdade, contribuindo para promover a sua integração socio-laboral. A educação desempenha um papel importante na conceção que fazem de si próprias. Sentem-se mais seguras quando detentoras de conhecimentos relativos a assuntos sobre os quais têm de dissertar. Por isso, as escolas que as acolhem devem estar preparadas também para transmitir conhecimentos relacionados com as diversas fases da vida feminina das pessoas com deficiência visual, bem como das formas como resolvem os obstáculos que enfrentam no seu quotidiano. Isso permitiria também aos restantes alunos (não deficientes) interagirem e conhecerem efetivamente os seus métodos de trabalho, não as olhando como seres estranhos que “não veem, mas fazem muitas coisas!!!...". Claro que, para isso, tínhamos de dotar os estabelecimentos de ensino de condições, porque os entendidos recomendam que se leve a cabo uma intervenção precoce e positiva, quando as jovens com deficiência ainda se encontram na fase escolar, para que possam ser corretamente preparadas quer para o mundo doméstico, quer para a vida social e laboral. Recomendam também a utilização dos testemunhos das próprias mulheres com deficiência, na formação e readaptação profissionais, os quais podem funcionar como estímulo e apoio a outras mulheres cuja deficiência é adquirida mais tarde. É neste campo que as associações não-governamentais, criadas pelas próprias pessoas com deficiência visual, têm desenvolvido um papel inequívoco na construção de comunidades que permitem a partilha de experiências e a consciencialização de limitações e potencialidades, abrindo caminhos a uma mais rápida socialização destes cidadãos. Para essas mulheres, pedirei que, acima de tudo, procurem ser positivas, aceitando a cegueira e enfrentando cada obstáculo como mais um desafio que se tem de vencer, mais cedo ou mais tarde. Nos momentos de perda de coragem, pensem em todas as que, apesar da sua deficiência, lutaram por elas e, sobretudo, pelos outros, conseguindo chegar a lugares de destaque nos governos, ou em organismos internacionais, como acontece em Portugal com a Senhora Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Dra. Ana Sofia Antunes, ou com a espanhola Ana Peláez, Presidente do Comité CEDAW, Organismo inserido na ONU - Convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres.

 No que me concerne, orgulho-me de pertencer a uma associação como a ACAPO que representa e defende os interesses das pessoas com deficiência visual em Portugal e onde as mulheres, apesar de ainda em minoria, já lutam pelos seus direitos e deveres. Atualmente, e em jeito de curiosidade, dir-vos-ei que quer nos órgãos nacionais (Assembleia de Representantes, Direção Nacional e Conselho Fiscal e de Jurisdição), quer nas treze Delegações da ACAPO (Direções e Mesas de Assembleia Geral) existem, com funções efetivas, cinquenta e cinco homens e trinta e nove mulheres. Se retirarmos o Conselho Fiscal e de Jurisdição (apenas constituído por cinco homens), as Mesas de Assembleia Geral das Delegações de Braga (com três mulheres), Castelo Branco e de Lisboa (com três homens cada), bem como as Direções das Delegações de Viana do Castelo e de Vila Real (também com três homens cada), os restantes órgãos apresentam um certo equilíbrio nesta igualdade de género, o que já demonstra, por parte das mulheres, uma maior vontade de participarem na discussão e defesa dos problemas que as afetam. Veja-se, por exemplo, que a Assembleia de Representantes, órgão máximo da ACAPO que define as políticas da Instituição e a que me orgulho de presidir, é formado por treze homens e doze mulheres. Só assim se consegue o equilíbrio em que todos possam fazer valer os seus pontos de vista. Ninguém melhor que elas próprias para saberem o que mais lhes convém. Por isso, mulheres com deficiência deste país, não deixem de participar na vida associativa, nas listas candidatas aos vários órgãos, nas Assembleias Gerais de Delegação ou, simplesmente, enviando e-mails alertando as direções ou outras entidades para questões que vos preocupem. Estarão assim a contribuir para uma sociedade verdadeiramente inclusiva, em que todos se sintam representados. Este é já o momento, uma chave de oportunidade a não perder, porque eleições gerais na Instituição são já em dezembro de 2020. Não deixem de participar.

 “NADA SOBRE NÓS, SEM NÓS”!