Nasceu em 2016 uma nova rádio, muito provavelmente com um nome que já conhece: Zig Zag. É um novo produto com a marca RTP que se destina a crianças com idade entre os 5 os 9 anos. Tal o espaço de programação infantil da televisão, a rádio ZigZag pretende entreter, informar, consciencializar e fazer rir miúdos (mas também os graúdos) através dos seus ouvidos. À Louis Braille, Iolanda Ferreira, coordenadora editorial do projeto, deixa muitas e boas razões para “sintonizar” esta estação.

Por Cláudia Vargas Candeias

Louis Braille: Pode apresentar-nos a rádio Zig Zag, uma rádio que existe desde setembro de 2016 e que foi desenhada para um público infantil?

Iolanda Ferreira: Está dentro do chapéu da marca Zig Zag da RTP, da Rádio e Televisão de Portugal. O Zig Zag só existia enquanto programa de animação na RTP2 e no início de 2016 começou a preparar-se uma ramificação desta marca. Agora, para além da presença na televisão há uma rádio. É claro que na televisão temos desenhos animados, na rádio nós desenhamos os nossos desenhos animados para os ouvidos. Enquanto na televisão o público-alvo vai dos 18 meses até aos adolescentes, numa rádio é necessário que o público esteja mais balizado. Na rádio dificilmente convivem programas para bebés e programas para adolescentes. Nem os adolescentes ouvem os programas para bebés, nem os bebés compreendem os conteúdos para adolescentes. Então tivemos de balizar. Achámos que era mais eficaz centrarmo-nos no 1.º ciclo do ensino básico, dos 5 aos 9, 10 anos.

L.B.: E que conteúdos podemos encontrar nesta rádio?

I.F.: O que nós fizemos foi encontrar conteúdos como os que eles ouvem na escola, em casa, na idade deles. Mas antes de começarmos a construir os conteúdos fomos à procura de meninos, de educadores, de famílias e perguntámos “o que é que as crianças ouvem?”, “o que é que querem ouvir?”, “quais são os interesses delas?”. Não é o que é que queremos fazer, é o que é que elas estão dispostas ouvir. E é muito fácil chegar lá. É um mundo! Porque elas estão na idade da descoberta. Então Ciência, Matemática, História, muitas histórias, aventuras, disparates (mas disparates dos bons), anedotas secas, mas também conteúdos que de alguma forma se cruzem com o conteúdo programático do ensino básico. Isto é, nós somos uma rádio que se pretende rigorosa e que tem de ter em conta a idade deles, em que são verdadeiras esponjas e têm de aprender corretamente, por outro lado, têm de ser conteúdos lúdicos porque se não é tudo uma enorme chatice e estaríamos a repetir-nos à escola. A ideia não é essa! É sim, serem várias horas de diversão para eles, em que eles aprendam coisas novas, que gostem do que estão a ouvir, tenham vontade de ouvir mais, que lhes aguce a curiosidade e que tenham vontade de na escola, junto dos pais e amigos ou de livros, perceberem mais e irem à procura de mais informação.

L.B.: Um ano e meio dá para receberem feedback?

I.F.: Temos crescido muito. É muito interessante porque uma rádio online não é como uma rádio FM que se liga em qualquer lado – a rádio está lá e descobre-se facilmente. Algo que está na Internet tem de se saber que existe para se ir procurar. É uma rádio que está escondidinha. Não é como na televisão em que nós ligamos a televisão, procuramos, encontramos os desenhos animados e ficamos lá. Nós temos a concorrência da imagem. Então no mundo da imagem, nos tempos da imagem, estamos no futuro deles, ou no presente deles que é a internet, mas estamos a concorrer com os estímulos visuais. O que queremos é que eles sejam estimulados pelo ouvido mas com vontade, com gosto. Então, apesar de estamos na Internet, e à partida escondidinhos, começou-se a passar a palavra. Também há outra coisa. Para além dos conteúdos, nós costumamos dizer que temos uma rádio muito hiperativa, no bom sentido, os conteúdos têm de ser não muito longos (para não se fartarem), porque nós queremos mesmo é que eles ouçam conteúdos de qualidade. Quando falamos em segurança rodoviária, o que queremos é que eles de facto ouçam aquele conselho de segurança rodoviária, não é só “fazer bonito”. Não é só fazer para os pais saberem que aquilo lá está. Os pais têm de saber que aquele conteúdo é de confiança mas queremos chegar é aos meninos. Se os meninos souberem que quando atravessam a estrada têm de olhar para o lado esquerdo e para o lado direito, isso é que nos interessa ao fim. À medida que com esta rádio muito “hiperativa”, muito rápida, com muitos conteúdos divertidos a cruzarem-se com a escola também, conteúdos de segurança, conteúdos feitos em parceria, os meninos começaram a passar a palavra e os professores começaram a descobrir que aqueles conteúdos também davam para utilizar como conteúdo adicional na sala de aula, os meninos começaram a descobrir que ali tinham a música que eles gostavam, as histórias que eles liam mas que podiam ouvir também em audiolivro, as aventuras, as piadas secas. Portanto, há cada vez mais miúdos a ouvir a rádio Zig Zag. A nossa intenção é que esta rádio seja uma experiência familiar. Porquê? Quase todos (quem é pai ou mãe) tivemos aquela experiência no carro em que os meninos querem ouvir 20 vezes a mesma música e nós ficamos muitas vezes à espera que eles se cansem de ouvir a 21.ª a 22.ª. E o que nós fazemos? Os conteúdos são para eles, a linguagem é para eles, clara, direta, assertiva, com uma duas informações por cada conteúdo e a música dos anos 70, com o José Barata Moura, mas a música é essencialmente aquela que eles ouvem agora, e que é a música da infância deles, não é a música que nos ouvíamos há 10, 15 anos. Para além disto, de os meninos ouvirem a música que gostam e serem embalados pela música para ouvirem os conteúdos, também queremos que os pais gostem de ouvir esta rádio, pois não temos de ter uma linguagem infantilizada mas sim uma linguagem para todos. Portanto, a rádio pode ser consumida em contexto familiar, até porque pode também ser ouvida na televisão nos canais de rádio, sem ser uma enorme seca para nenhuma das partes, nem para os filhos, nem para os pais, nem para os avós que ouvem as lengalengas…

L.B.: Sem querer (ou será queriam?) fizeram um produto inclusivo para crianças com deficiência visual.

I.F.: A rádio é naturalmente um meio para pessoas que não podem ver ou pode ser um bom produto para pessoas cegas. Uma das primeiras coisas que dizemos aos meninos que vêm aqui das escolas fazer “visitas de estúdio”, como nós chamamos, é que a rádio pode ser vista até de olhos fechados, portanto, fechem os olhos e vejam a rádio. É esta a mensagem. E dizemos a todos os meninos que todos têm  um  superpoder  que  é  a imaginação e ao ouvirem as histórias da rádio, basta fecharem  os  olhos  e  imaginam  os  monstros,  as  princesas, os príncipes, os cavaleiros, os animais, como quiserem. São eles que mandam. Nos desenhos animados já está tudo construído, os calções são curtinhos, longos, com bolinhas, às riscas, as t-shirts são verdes, amarelas, de manga comprida ou de manga curta, aqui eles nem precisam saber desenhar. Os meninos cegos podem desenhar o que quiserem na sua imaginação.

L.B.: É por isso que gostaria de apelar ao ouvido das pessoas com deficiência visual.

I.F.: Nós precisamos do feedback desse lado, das pessoas com deficiência visual. Ouçam a rádio e digam-nos assim “não está suficientemente descritivo”, “mas não falaram disto ou daquilo”, “o que nós precisávamos era…”. Quem sabe? Vamos adaptando conteúdos porque quem vive os problemas no dia-a-dia é que sabe. Um dos programas que temos são as “Aventuras do Pirilampo mágico” e o Pirilampo é belfo, trapalhão, distraído, para mostrar aos meninos, porque no fundo, quem está a consumir estes programas são meninos, o que nós mostramos é que nem todos os super-heróis têm de ser perfeitos, musculados, altos, louros, de olhos verdes. Não! Todos os meninos são super-heróis à sua maneira, com as suas capacidades ou incapacidades, mas é isso é que faz a riqueza do mundo, todos sermos diferentes. É isso é que nos torna mais ricos. É a variedade do ser humano. É isso é que nos traz riqueza, a capacidade de ajudarmos os outros a ultrapassarem determinadas dificuldades e os outros, por sua vez, a ensinarem-nos a sermos mais inclusivos. Isso é que nos aumenta o coração. Portanto, nas “Aventuras do Pirilampo Mágico”, o Pirilampo ajuda meninos surdos, com trissomia 21, com paralisia cerebral, síndrome de Tourette, cuja sua aparente incapacidade, trouxe uma capacidade que ajudou a ver o problema. Portanto, isto é como o mundo. E as incapacidades trazem uma nova forma de vermos o mundo e as incapacidades são um superpoder muitas vezes. Os meninos não veem os desenhos animados. Não têm essa possibilidade. A televisão não é para meninos cegos. Os meninos cegos agora têm uma “televisão” só para eles que é a rádio Zig Zag. Eles podem ouvir os programas todos, podem descarregar os programas para os tablets, para os telemóveis, os pais podem ajudá-los e eles têm ali dezenas, aliás nem são dezenas, nem centenas, são milhares de episódios sobre tudo: História, Ciência, Matemática. É uma possibilidade, é um mundo extraordinário e imenso de conteúdos, para crianças dos 5 aos 9 anos que não podem ver desenhos animados mas que podem agora vê-los através dos ouvidos. É uma pena se estes desenhos animados para os ouvidos passarem ao lado de um dos principais públicos-alvo, que são os meninos cegos. Mais do que para os outros, isto é um conteúdo para eles. É gratuito, de utilização livre, portanto, utilizem!

L.B.: Já tiveram então oportunidade de focar o tema da deficiência nos vossos conteúdos?

I.F.: Nós pensamos muito no tema da inclusão. Desde início que pensamos que a rádio pode ser uma oportunidade para incluir todos os meninos. A questão da inclusão é algo muito presente nas nossas preocupações. Sabemos que não são só os meninos de 1.20m, de Lisboa, perfeitamente saudáveis, que ouvem a rádio. Esta rádio como é online pode ser ouvida em todo o mundo e, preferencialmente, por todos os meninos que consigam ter acesso à internet. E pensamos muito nos serviços pediátricos. Pensámos muito que há meninos que podem estar internados durante muito tempo, que não têm paciência ou não podem ver televisão mas podem ouvir rádio. A rádio pode servir-lhes de companhia. Pensamos muito nos meninos com necessidades educativas especiais, com várias mensagens e programas, aliás os programas são curtos até para isso, para todos terem oportunidade de compreender a mensagem. Pensámos desde sempre nas pessoas cegas porque a rádio tem essa particularidade, temos de descrever, não podemos dizer “o coelhinho vai para aqui ou vai para ali”, temos de dizer “o coelhinho salta em cima das pedrinhas para atravessar o rio, o rio é cristalino, as ervas crescem frescas do lado direito da ponte”. Portanto, tudo tem de ser muito descritivo. Não há quem perceba melhor o que estou a dizer do que uma pessoa cega, creio eu. Uma pessoa cega tem de ter todas essas informações como GPS para a sua organização, portanto, se não for direcionado não sabe do que estamos a falar. E há uma coisa que falamos aqui muito. Descrever tudo porque a rádio vai para um sentido só, que é o auditivo. A rádio acaba por ser um meio muito democrático. Não interessa se é cego ou se tem a visão perfeita porque o sentido é o auditivo. São todos iguais a ouvir rádio.

L.B.: Aprendeu isso da experiência que tem de rádio mas também por fazer audiodescrição.

I.F.: A audiodescrição é interessante. Tínhamos de descrever tudo o que os personagens estavam a fazer (nos serviços de audiodescrição da RTP). E mesmo quando fazia emissão na Antena 1 sempre tive muito contacto com ouvintes cegos que nos telefonavam. Têm uma sensibilidade mais… os sentidos parecem mais apurados. Ouvem muita rádio e com uma perspicácia e atenção mais afinada. Provavelmente até percebem se estamos mais tristes ou contentes naquele dia [risos] e telefonam-nos a dizer isso! É muito engraçado. São ouvintes muito fiéis.

L.B.: Esta rádio tem então, um duplo papel pedagógico pois ao mesmo tempo que lhes dá conteúdos importantes para a sua vida mostra-lhes o admirável mundo da rádio.

I.F.: Sim. Quando começámos a trabalhar a sério neste projeto, falámos com dezenas de educadores, professores e pessoas ligadas ao meio educativo. Muitas disseram-nos que os miúdos estavam a perder essa capacidade: a de ouvir. Porque os estímulos visuais, o que é natural é a evolução do mundo, são tantos e estão por todo o lado que eles esquecem-se de utilizar aquele sentido. A rádio, na verdade, apura o sentido da audição, os meninos ouvem com outra atenção, ajuda-os até quando entram para a escola a fazerem a construção narrativa, a introdução,,, a organizar o pensamento, o desenvolvimento da história e a conclusão. A rádio ajuda muito nisso porque na televisão, o trabalho está todo feito. É um meio muito valioso, a televisão. A rádio tem outras valências: desenvolve a imaginação, o discurso, e nestas idades é um meio valiosíssimo, que se estava a perder de facto, sobretudo nas camadas mais jovens. Trabalhamos muito para adultos mas estes vão crescendo, envelhecendo, morrendo… Mas os mais pequenos estavam a deixar de saber ouvir a rádio e mais, e os que os que ouviam, ouviam as rádios dos crescidos e diziam-nos “nós ouvimos as rádios que os pais ouvem mas não percebemos nada das piadas”. Porquê? Porque as piadas são piadas de geração, para 30, 40, 50 anos, não piadas para crianças de 10 anos. Aqui tudo é dirigido para eles, o que os faz descobrir um admirável mundo que eles já se esqueciam ou nem nunca tinham sido treinados a ver: o mundo pelos ouvidos.