Como nota prévia a tudo quanto se dirá nas linhas seguintes, importa sublinhar que, embora desempenhe atualmente funções de vice-presidente do Comité Paralímpico de Portugal, com funções atribuídas ao nível da coordenação do Projeto Tóquio 2020, as opiniões aqui explanadas apenas me vinculam a mim e não o Comité Paralímpico ou à sua Comissão Executiva. Daí que, quaisquer eventuais imprecisões serão da minha inteira responsabilidade, o mesmo sucedendo com as considerações aqui expressas que apenas refletem o meu modo de pensar sobre esta matéria.

Se bem que pudesse tomar por referência acontecimentos e factos anteriores da história dos jogos e do movimento Paralímpico, como por exemplo, as primeiras competições envolvendo pessoas com deficiência física, em Stoke Mandeville, no ano de 1948, os primeiros Jogos Paralímpicos realizados na cidade de Roma em 1960, ou ainda, a primeira participação portuguesa em Jogos paralímpicos, ocorrida em Heidelberg no ano de 1972, achei por bem deter-me, com maior detalhe, no ano de 1988. Um ano relevante para mim, pois iniciei nessa época o meu percurso desportivo que havia de terminar, 20 anos mais tarde, nos Jogos Paralímpicos de Pequim, mas igualmente marcante para o movimento paralímpico, já que, nesse ano, e a partir de então, os Jogos Paralímpicos passam a realizar-se na mesma cidade e a utilizar as mesmas infraestruturas dos Jogos Olímpicos.

Estávamos então numa época em que as atividades desportivas realizadas por pessoas com deficiência se encontravam circunscritas, quase em exclusivo, ao âmbito das associações de e para pessoas com deficiência, associações estas que, sem apoios e sem recursos específicos, perceberam o enorme potencial do desporto como fator de reabilitação e de integração social. Uma época em que, fruto da carolice de alguns dirigentes associativos, de um punhado de técnicos desportivos, de acompanhantes voluntários e de praticantes com deficiência, se dão os primeiros passos em Portugal no sentido do treino regular e das competições nacionais e internacionais.

Neste período, importa considerar, enquanto fator determinante de muitos êxitos internacionais alcançados pelos atletas portugueses nos anos seguintes, e para além, obviamente, das suas capacidades, do seu empenho e do acompanhamento técnico de que usufruíram, a crença inabalável de alguns treinadores de que os princípios e de que as metodologias de treino utilizadas com atletas com deficiência deveriam ser idênticas às utilizadas com atletas sem deficiência, salvo pequenas adaptações em função das caraterísticas e necessidades de cada atleta.

Ou seja, o princípio da igualdade, mais tarde tantas vezes referenciado como alicerce de uma postura reivindicativa de melhoria das condições de preparação desportiva e de reconhecimento, começa por ser implementado ao nível do treino desportivo, numa lógica de valorização e potenciação de capacidades e de superação de limitações e ou de fragilidades, que rapidamente traz para o desporto paralímpico uma perspetiva de alto rendimento, de valorização da excelência dos resultados e das performances desportivas.

Nos anos que se seguem, assistimos a um crescimento exponencial do movimento paralímpico a nível nacional e internacional, nas suas múltiplas dimensões.

Por cá, e em simultâneo mas também consequente com a obtenção por parte dos atletas portugueses de resultados de excelência em competições internacionais, que atinge o seu auge em Sydney 2000, onde a Missão portuguesa conquista 15 medalhas, é constituída a Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes, é atribuído aos atletas com deficiência que alcancem resultados de excelência em competições internacionais o estatuto legal de alta competição, é celebrado o primeiro contrato-programa entre a FPDD e o Estado que disponibiliza verbas para a preparação e participação desportiva dos atletas, e são atribuídos prémios monetários aos atletas, treinadores e clubes, em função de medalhas conquistadas em campeonatos europeus e mundiais e em Jogos Paralímpicos.

A nível internacional, deparamo-nos com um aumento do número de países apostados em promover o desporto paralímpico e com presença nos Jogos, ao consequente aumento do número de atletas e à constante melhoria das performances desportivas expressas por um número elevado de novos records mundiais, continentais e paralímpicos.

Se de 2000 a 2008 assistimos em Portugal a um crescente reconhecimento social e político dos feitos alcançados pelos atletas paralímpicos, com alguns destes atletas a deixarem de estar integrados nas associações de deficiência e a transitarem para clubes regulares, com o desenvolvimento de campanhas de comunicação e de marketing que enfatizavam a superação de capacidades e com a criação do Comité Paralímpico de Portugal, em setembro de 2008, a verdade é que se tratou de um período de estagnação ou mesmo de retrocessos no que aos apoios diretos à preparação e participação desportiva dos atletas diz respeito.

Anos houve em que os atletas se prepararam e participaram em competições europeias e mundiais sem qualquer apoio financeiro concedido para o efeito, quer ao nível dos custos da preparação quer sob a forma de bolsas e, nos anos cobertos por contratos-programa, os apoios financeiros concedidos pelo Estado não sofreram atualizações e mantiveram-se em níveis bastante baixos se comparados com os da realidade olímpica.

Entretanto, com a constituição do Comité Paralímpico de Portugal, muito do que atrás se disse deixa de ser uma realidade e, gradualmente, num período relativamente curto de nove anos, de 2009 a 2018, assistimos a um conjunto de significativas evoluções, não apenas dos montantes financeiros envolvidos, mas sobretudo, no que respeita aos princípios e modelos que passam a estar subjacentes à prática atual.

Desde logo, a um nível mais operacional mas de enorme relevância pelos impactos positivos alcançados, importa referir o estabelecimento de contratos-programa quadrienais entre o CPP e os institutos do desporto e da juventude e da reabilitação que vêm conferir aos projetos de preparação paralímpica de Londres 2012, do Rio 2016 e agora de Tóquio 2020, níveis de confiança, de estabilidade e de planeamento, antes inimagináveis, e que, por exemplo, tornam possível o pagamento efetivo e atualizado das bolsas financeiras aos atletas, seus acompanhantes e treinadores, e que se definam e implementem atempadamente planos de preparação e de participação desportiva ajustados a cada atleta.

De análogo modo, operou-se ao longo dos ciclos paralímpicos de Londres, do Rio de Janeiro e de Tóquio uma evolução muito significativa dos montantes implicados, de tal forma que  o  valor global  do  contrato--programa Tóquio 2020 mais do que triplica o valor disponibilizado para o ciclo de Londres 2012. Este incremento financeiro permitirá que, gradualmente, se caminhe no sentido de uma equiparação dos montantes envolvidos nas duas realidades paralímpica e olímpica, de tal modo que no ano de 2020, os atletas paralímpicos terão à sua disposição um montante idêntico ao dos atletas olímpicos para a preparação desportiva, e que no ano de 2021, passem também a beneficiar, ao nível da excelência, de uma bolsa de valor idêntico à dos seus companheiros do lado olímpico.

Também durante este período, e por iniciativa legislativa da Assembleia da República, é estabelecida uma igualdade no montante dos prémios de mérito desportivo atribuídos aos atletas olímpicos e paralímpicos, pondo cobro a uma discriminação negativa destes últimos.

A um nível mais estrutural e organizativo, ocorreu uma filiação massiva das federações desportivas de modalidade no Comité Paralímpico, e a assunção por parte destas da governação do desporto adaptado, permanecendo por ora apenas o boccia e o goalball afetos à Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência.

Deste modo, e por uma apreciação superficial e menos atenta desta realidade, poderia pensar-se que hoje ou, para ser mais exato, em 2021, estariam reunidos os pressupostos que tornariam real o slogan que tem pautado a ação do CPP desde a sua constituição – Igualdade, Inclusão e Excelência Desportiva.

Todavia, assim não me parece, pois embora tenham sido alcançadas conquistas estruturais, financeiras e de reconhecimento significativas, estamos ainda longe do dia em que as famílias de crianças com deficiência reconhecerão a atividade física como ferramenta determinante do desenvolvimento motor, psicológico e social, afastados que estarão os receios infundados e uma atitude super protetora contraproducente. Do dia em que em todas as escolas todas as crianças praticarão atividade física, certamente com as devidas adaptações, porque nesse dia os professores terão tido nas suas universidades e institutos uma formação de qualidade que lhes permitirá proceder no sentido de uma identificação e treino de capacidades e não se acomodarem numa verdade estereotipada e irrealista de incapacidades. Nesse tempo, os clubes estarão de portas abertas a todas as pessoas, tenham elas ou não quaisquer tipo de limitações, porque estes clubes disporão de instalações com acessibilidade universal, contarão com a intervenção de treinadores devidamente formados e serão geridos por pessoas que não perspetivam as seções de desporto adaptado como problemáticas, despesistas e de difícil implementação e gestão.

Também nessa época, os atletas de excelência paralímpica pautarão as suas intervenções pela melhoria das condições de treino e de competição, pela inovação, pelo profissionalismo, pela superação de performances desportivas, afastando-se de uma reivindicação assistencialista e caritativa que, reconheço, ocorreu e foi mesmo necessária.

Os treinadores e restantes elementos das equipas técnicas compreenderão, porque os que assim não o fizerem serão afastados, que se terá entrado num outro patamar de exigência técnica e desportiva, de inovação e de formação constantes, e que inconsistências ou absurdos pontuais hoje verificados deixarão de ser aceites.

Do lado das associações e das federações deparar-nos--emos com uma gestão desportiva, incluindo a realidade paralímpica, profissional, competente, conhecedora e representativa da modalidade nas suas diferentes dimensões.

E por fim, no que respeita ao Comité Paralímpico, e uma vez chegados ao dia ou ao tempo a que me venho referindo, estará ele então liberto das amarras da comparação olímpica e paralímpica e poderá então alterar o seu slogan para qualquer coisa como: Superação, Excelência e Sucesso Desportivo.