Por Ana Rita Ribeiro - Formada em Ciências Biomédicas, desenvolveu um interesse por comunicação. Aluna do Mestrado em Comunicação de Ciência da FCSH NOVA e Responsável de Comunicação na Patient Innovation.

           

Por todo o Mundo, milhões de doentes e os seus cuidadores enfrentam obstáculos impostos pelas suas condições de saúde e muitas vezes encontram formas inovadoras de os ultrapassar, uma vez que não estavam disponíveis no mercado soluções que respondessem a esse problema. Para criar um espaço onde essas soluções pudessem ser amplamente difundidas foi criada a ‘Patient Innovation’ (patient-innovation.com), uma plataforma online onde doentes e cuidadores informais podem partilhar, consultar e discutir soluções inovadoras para os mais variados problemas de saúde.  

A equipa responsável pela ‘Patient Innovation’ acredita que, através da disseminação dessas soluções, é possível ajudar a melhorar a qualidade de vida de outras pessoas que convivam diariamente com as mesmas dificuldades e que, de outra forma, não teriam acesso a esta informação. Assim, a plataforma está disponível gratuitamente e em várias línguas para garantir que utilizadores de todo o mundo possam fazer parte desta comunidade cada vez maior de utilizadores.

A premissa é simples: qualquer pessoa pode criar uma conta e submeter uma solução que tenha criado ou de que tenha conhecimento. Depois de publicada na plataforma, a comunidade é convidada a comentar e discutir as soluções, partilhando a forma como as aplicaram na sua própria vida e as eventuais adaptações que possam ter feito. Assim, o objetivo é promover uma continua corrente de inovação, tornando as soluções cada vez melhores e mais abrangentes. Todas as inovações publicadas passam por um processo de avaliação por parte de uma equipa médica especializada que garante a viabilidade das soluções e o cumprimento dos critérios de seleção. Não são admitidas soluções que pressuponham a ingestão de medicamentos ou outras substâncias químicas nem que envolvam técnicas consideradas perigosas ou invasivas.

O projeto foi criado em 2014, pelos Professores Pedro Oliveira e Helena Canhão e, desde o seu lançamento, tem sido reconhecido internacionalmente e recebido o apoio de membros de relevo da comunidade científica.

Em 2015, foram criados os ‘Patient Inovations Awards’, uma cerimónia de entrega de prémios onde anualmente são homenageados criadores de soluções pensadas para ultrapassar os obstáculos impostos pela sua condição de saúde, para ajudar um ente-querido ou mesmo alguém que nem conheciam. As 4 edições já decorridas foram integradas em conferências internacionais de saúde e inovação tanto na Fundação Calouste Gulbenkian como na ‘Web Summit’ e, em 2019, durante a ‘EIT Health Summit’ em Paris.

Hoje em dia, 6 anos depois, a plataforma conta já com mais 1200 soluções publicadas que abrangem cerca de 260 doenças ou condições. Neste artigo, são apresentados alguns exemplos de soluções publicadas na plataforma que procuram, de diferentes formas, melhorar a qualidade de vida de todos aqueles que vivem com algum tipo de deficiência visual.

 

RECUPERAR A AUTONOMIA NA MOBILIDADE

 

Na plataforma ‘Patient Innovation’ é possível encontrar mais de 20 exemplos de soluções criadas para tentar minimizar as dificuldades de mobilidade enfrentadas diariamente pelos milhões de pessoas que em todo o mundo vivem com algum tipo de incapacidade visual. 

Todos sabemos que um dos instrumentos mais utilizados para facilitar a navegação é a familiar bengala branca. No entanto, num mundo cada vez mais tecnológico e em constante mudança, a bengala não tem sofrido grandes alterações. Mas vários inovadores têm tentado trazer a bengala para o século XXI. 

O primeiro exemplo é o de Pavel Kurbatsky, vencedor de um dos prémios da 2ª edição dos ‘Patient Innovation Awards.’ Desde cedo que Pavel mostrou interesse em desenvolver dispositivos que melhorassem a qualidade de vida de pessoas portadoras de deficiência por ter compreendido que tinham dificuldades acrescidas em viver num mundo que não tinha sido desenhado para elas. Assim, com apenas 9 anos, criou um termómetro adaptado que, ao vibrar, permitia aos invisuais determinar a temperatura. A partir daí, continuou a desenvolver a sua paixão pela inovação e aos 18 anos desenvolveu o protótipo de uma bengala inteligente com sensores capazes de identificar obstáculos ao nível da cabeça, da cintura e dos pés. Por estar associada a uns óculos de última geração, com um sistema de altifalante incorporado, a bengala emite um alerta sempre que se está a aproximar de um obstáculo e sobre a distância a que se encontra. Esta inovação recebeu reconhecimento internacionalmente por parte de várias instituições e empresas mas não está ainda disponível comercialmente porque Pavel quer garantir que consegue manufaturar o equipamento a um preço baixo, para que seja acessível a todos.

            Também Kursat Ceylan nunca conseguiu compreender como é que os produtos de assistência a pessoas com deficiência visual não acompanharam a evolução tecnológica atual. Cego à nascença, diz que sempre sentiu dificuldades em circular na rua, reconhecer as lojas à sua volta, identificar a estação de metro onde devia sair ou o autocarro no qual deveria entrar Por isso, decidiu utilizar os seus conhecimentos como engenheiro parar criar uma bengala de alta tecnologia capaz de fazer face a todos estes desafios.  A ‘WeWalk’ tem sensores ultrassónicos capazes de detetar objetos acima da linha do peito e vibra para avisar o utilizador da sua presença. Para além disso, vem equipada com assistente de voz e um sistema de navegação que, através da aplicação para telemóvel, pode ser sincronizada ao ‘Google Maps’ e fornecer indicações de navegação em temporeal. Assim, o utilizador pode selecionar um destino e a bengala irá guiá-lo até ao local. A ‘WeWalk ‘já está disponível no mercado e tem sido considerada revolucionária, tendo integrado a lista das 100 Melhores Invenções de 2019 pela revista ‘Time’

Kursat tem viajado um pouco por todo o Mundo, partilhando a sua experiência de criação de produtos para pessoas com deficiência visual na esperança de incentivar outros a seguir os seus passos. Organiza também cursos de robótica para participantes com incapacidade visual com o objetivo de propagar a paixão pela ciência no seio desta comunidade.

 

Serviços de Assistência Virtual

 

Suman Kanuganti teve a ideia de criar o ‘Aira’ graças ao seu amigo Matt, cego e profissional da área da comunicação. Os dois acreditavam que deveria haver uma forma de usar os mais recentes avanços tecnológicos para ajudar todos aqueles com dificuldades de visão a recuperar a sua autonomia e ter acesso imediato à informação visual que os rodeia. Surgiu então o ‘Aira’, um serviço de assistência remota que liga os seus utilizadores a agentes profissionais treinados a prestarem assistência em todas as atividades do dia-a-dia. A ligação com os assistentes está disponível 24 horas por dia e é feita através de uma aplicação para smartphone. A aplicação tem acesso à câmara do smartphone, permitindo que os agentes remotos visualizem o espaço envolvente para que possam dar indicações ou até mesmo ajudar os utilizadores a tirar fotografias ou gravar vídeos. Todos os agentes estão sob um contrato de confidencialidade para que os utilizadores se sintam seguros a partilhar informações de caracter mais pessoal, nomeadamente no caso de necessitarem de ajuda a preencher documentação legal ou informação bancária. Uma vez que os agentes são profissionais pagos, e para garantir a qualidade do serviço, o ‘Aira’ funciona num sistema de subscrição paga, com vários pacotes disponíveis consoante o perfil do utilizador.

 

Para quem não tenha disponibilidade financeira para subscrever ao Aira, existe um serviço semelhante gratuito para todos os utilizadores. O ‘Be My Eyes’ foi idealizado por Hans Jørgen que, tendo começado a perder a visão aos 25 anos, teve de reaprender a navegar o Mundo com esta sua nova realidade. A certa altura, um amigo sugeriu-lhe que se conectasse aos seus familiares e amigos por videochamada sempre que precisasse de assistência para realizar algumas tarefas que não conseguisse concretizar sozinho. A ideia foi tão revolucionária na sua vida que Hans sabia que tinha de a expandir e criar uma ferramenta acessível a todos. E assim nasceu a ‘Be My Eyes’.  

Ao contrário do que acontece com o ‘Aira’, o ‘Be My Eyes’ funciona num sistema de voluntariado em que qualquer pessoa com capacidades visuais se pode inscrever como assistente remoto. Quando um utilizador necessita de ajuda, conecta-se à aplicação e inicia uma chamada que, dentro de segundos, irá ser atendida por um voluntário disponível. Neste momento a plataforma conta com mais de 1 milhão e meio de voluntários inscritos, espalhados por todo o Mundo e disponíveis para ajudar em mais de 180 línguas. Assim, procura-se garantir que haverá sempre alguém disponível para ajudar. Pelo facto de se basear em assistentes voluntários, o sistema é completamente gratuito. No entanto, não deve ser utilizado para tratar de assuntos privados ou partilhar informações pessoais, uma vez que não é possível garantir que os voluntariados irão manter a confidencialidade dos dados.

 

 Perceção das cores através do toque

             

Por último, uma inovação nacional criada pela designer Filipa Nogueira Pires. Filipa sempre teve uma relação muito próxima com a tia-avó, que a ensinou a ler e escrever, e que sofria de um elevado grau de deficiência visual. Assim, sempre esteve muito sensibilizada para os obstáculos daqueles com dificuldades de visão e, quando chegou o momento de desenvolver a sua investigação no âmbito do Mestrado em Design de Produto, não foi difícil escolher o tema que gostaria de abordar. Durante meses, trabalhou com as crianças do Centro Helen Keller (uma escola dedicada ao ensino e inclusão de alunos com deficiência visual) até chegar ao produto final: o ‘Feelipa Color Code’.

Criado com o objetivo de se tornar uma linguagem universal, acessível ao maior número possível de pessoas, o ‘Feelipa Color Code’ é um sistema de identificação que associa as cores a formas geométricas básicas, reconhecidas igualmente em todo o mundo. Assim, as três cores primárias passam a ser representadas por 3 formas simples: o quadrado representa o vermelho, o triângulo representa o amarelo e o círculo representa o azul. Para as cores secundárias aplicam-se as regras do sistema de cores convencional: um quadrado associado a um triângulo representa o cor-de-laranja, tal como quando juntamos vermelho e amarelo. Por serem cores com características especiais, o branco, o cinzento e o preto são representados por um, duas ou três linhas, respetivamente.

Através da combinação das várias formas geométricas, este método permite a identificação de 24 cores diferentes. Quando aplicado em relevo, este código permite que todas as pessoas com deficiência visual possam reconhecer as cores através do toque, garantindo assim uma maior autonomia e compreensão do mundo que as rodeia.

Neste momento estão disponíveis para venda, através do website, adesivos com relevo que podem ser colados a qualquer objeto ou  superfície. Contudo, o objetivo máximo da criadora é que este código seja integrado em todas as áreas  da vida quotidiana.               

 Para além daquelas aqui apresentadas, há centenas de outras soluções disponíveis para  consulta e discussão na plataforma ‘Patient   Innovation’. A plataforma pode ser visitada em  patient-innovation.com e, através dela,  pode  aceder-se a todas inovações que lá se encontram e   fazer pesquisas por tipo de condição ou solução  que se pretende encontrar. Todos aqueles que   tenham desenvolvido alguma solução inovadora  ou conheçam alguma que mereça ser partilhada   são convidados  a deixar a sua contribuição e, dessa  forma, juntar-se à comunidade de pessoas investidas em tornar um Mundo num local melhor!

 

 

 

 

ACESSIBILIDADE

ACESSIBILIDADE

 

Libertem os passeios

Por Peter Colwell, Técnico de Acessibilidade na Direção Nacional da ACAPO

 

Há muito tempo as pessoas no poder reparam que havia vantagem em criar vias separadas para viaturas e peões, dado que algumas cidades de Grécia e Roma antiga já possuíam passeios. Eventualmente a ideia surgiu para facilitar a circulação das mercadorias, mas regra geral os historiadores dizem que a intenção era garantir a segurança dos peões. Esta boa prática, como muitas outras práticas daqueles tempos, foi esquecida no mundo ocidental até que a necessidade de construir passeios foi reconhecida novamente no norte de Europa no século XVIII. Curiosamente a zona pedonal foi feita utilizando de lajes de pedra em vez dos paralelepípedos usados na estrada o que significou mais conforto em andar no passeio do que na estrada. Os seus criadores reconheceram logo as caraterísticas essenciais de um passeio: deve oferecer segurança e conforto.

Qualquer cidade portuguesa de hoje é mais complexa do que Londres no século XVIII. Por baixo dos nossos passeios passam condutas e cabos e na superfície temos inúmeros postes e armários que asseguram infraestruturas inimagináveis duzentos anos atrás. O que não é claro é porque todos estes equipamentos têm de ser colocados no passeio, em particular quando uma data deles apenas serve para controlar e informar o trânsito. No nosso tempo colocar o poste dos semáforos no passeio parece ser a solução mais natural, mas se olhamos para fotos de antigamente o polícia sinaleiro estava no meio do cruzamento.

Para adotar uma expressão do mundo da informática, quando vamos introduzir mais um objeto numa rua parece que a solução default é colocá-lo no passeio. (Esta expressão moderna soa melhor do que a “lei do menor esforço”.) Um exemplo recente é o parquímetro – um equipamento que, sem dúvida, diz respeito aos condutores mas está sempre no passeio onde rouba bastante espaço. Na verdade alguns projetistas e empreiteiros têm cuidado e colocam o parquímetro numa posição que permite um peão passar, por vezes até uma pessoa com mobilidade condicionada passar, mas medem o espaço quando ninguém está a utilizar a máquina! Com mais imaginação, e mais um esforço, o parquímetro poderia ficar na estrada num prolongamento do passeio que permite comprar o bilhete sem incomodar os peões. Mais ainda, esta solução permitiria situar o parquímetro de tal maneira que evite estacionamento numa curva ou junto a uma passadeira.

Naturalmente não vamos pedir a retirada de todos os objetos dos passeios. Ninguém que defende os interesses das pessoas com deficiência está a propor a eliminação de árvores, esplanadas e papeleiras em todas as ruas: o que pretendemos é melhor ordenamento. É a posição adotada na legislação nacional. A lei sobre a acessibilidade da via pública, o decreto-lei n.º 163/2006, reconhece que sempre haverá objetos nos passeios e exige uma rede de percursos pedonais acessíveis que proporcionem o acesso seguro e confortável às pessoas com mobilidade condicionada. Ou seja, quando alguém está a considerar colocar um objeto no passeio, tem de lembrar que o passeio existe em primeiro lugar para oferecer segurança e conforto aos peões e tem de escolher uma posição para aquele objeto que garante que as pessoas com mobilidade condicionada podem circular à vontade. Apenas quando existe espaço suficiente para garantir o percurso pedonal acessível pode o passeio servir para abrigar sinais de trânsito, fornecer acesso aos transportes públicos e promover o comércio local.

O ordenamento dos passeios é uma responsabilidade das câmaras e em algumas cidades e vilas não é considerada uma prioridade. Pode tentar ligar para a sua câmara e perguntar qual o vereador ou divisão que está responsável para os passeios. Em alguns locais receberá uma resposta imediata: em outros o telefonista ficará perplexo. Esta situação é especialmente lamentável porque os regulamentos que regem a ocupação dos passeios são municipais e o grau de exigência varia. Quando alguns municípios prescrevem requisitos para esplanadas limitam-se a falar do espaço ocupado por mesas e cadeiras, enquanto outros municípios percebem que os chapéus do sol representam o maior perigo e regulam a sua altura e projeção. Também as exigências em respeito à sinalização das obras na via pública variam, com algumas câmaras a exigir barreiras robustas e outras satisfeitas com uma fita de plástico suspensa entre dois ferros.

Não é fácil entender esta falta de interesse na segurança do peão. A resposta simples é que a divisão de trafego sempre tem mais peso nas decisões municipais do que o departamento (desconhecido) que representa os peões. Mas como chegámos a este ponto? Talvez porque quem mande na câmara conduz e simpatiza mais com o funcionário que pretende alargar a estrada para acabar com os engarrafamentos ou criar lugares de estacionamento, do que simpatiza com o funcionário que quer alargar ou introduzir um passeio numa rua onde nunca houve acidentes. Ou talvez porque alguém convenceu-se que condutores irritados não votaram no atual executivo – mesmo quando a maioria dos condutores à procura de um lugar para estacionar residem em outros municípios – enquanto o eleitor-peão não existe nas sondagens e as suas preocupações podem ser ignoradas porque aparentemente não representam votos. Outra explicação, menos incómoda, é que custa mudar de hábitos e é mais fácil os técnicos e os políticos seguirem o caminho de menor resistência e darem prioridade ao automóvel do que alterar práticas de longa data e contemplar as necessidades dos peões.

Também não é fácil de entender a falta de interesse na segurança do peão quando as decisões são tomadas localmente. Os vereadores e diretores municipais, pelo menos nas cidades mais pequenas e nas vilas, estão em contato com os munícipes. Será que os condutores exprimem-se melhor ou mais alto? Reclamam quando têm de estacionar a mais do que cinco metros da porta, enquanto os peões não mandam emails a dizer que foram obrigados a andar na estrada quatro vezes antes de chegar ao centro de saúde. Ou talvez os peões mandem e telefonem, mas as suas reclamações são classificadas como queixas contra um problema antigo e irresolúvel, nomeadamente o estacionamento abusivo. Se for assim, é mais um exemplo de como o eleitor-peão não existe na mente dos autarcas.

Tenho esperança que os peões possam aprender reclamar mais e melhor. Uma melhoria seria abandonar a expressão estacionamento abusivo. Sem dúvida estacionar no passeio é ilegal e uma viatura parada é um obstáculo. Mas antes e depois de está estacionada, está em movimento e ainda mais perigoso. Então podemos dizer que somos contra manobras perigosas ou circulação abusiva e não apenas estacionamento. Este assunto assume ainda mais importância com o aumento de carros elétricos que não fazem barulho quando circulam a baixa velocidade.

Outro exemplo de circulação abusiva são as trotinetas elétricas. São poucos os utilizadores que seguem as recomendações dos fornecedores e andam na estrada ou na ciclovia. Podemos compreender, em parte, porque uma trotineta elétrica oferece zero proteção ao utilizador, assim andar na estrada significa correr grandes riscos. O problema é que a solução default é andar no passeio! E as nove cidades portuguesas que licenciaram o serviço sabia perfeitamente que muitos utilizadores iam optar para andar no passeio. Como se explica que numa cidade como Lisboa com uma população envelhecida, um número grande de pessoas com mobilidade condicionada e milhares de turistas, uma pessoa no poder achou bem introduzir um obstáculo silencioso que pode andar a 30 quilómetros por hora e pode ser largado em qualquer ponto? E ninguém pode dizer que o problema era difícil de prever. Nas nossas reuniões com operadores de trotinetas e bicicletas elétricas ficou claro que o ponto forte do seu modelo de negócios assenta na liberdade que o veículo oferece ao utilizador: o facto que o cliente poder largar o meio de transporte onde quiser.

É difícil de obter dados firmes sobre o número de trotinetas e bicicletas elétricas em circulação mas pelo menos 10 mil obstáculos móveis apareceram nos nossos passeios desde 2018. Os argumentos apresentados em defesa nas trotinetas são fracos: supostamente tiram muitos carros da estrada, quando de facto a maioria de viagens são de pura diversão; é um meio de transporte sustentável, quando de facto as trotinetas têm uma vida útil de cem dias. Mas se estes argumentos são fictícios, o perigo para os outros utentes do passeio é real.

Com o fim da circulação abusiva e um melhor ordenamento dos equipamentos implantados nos passeios podemos voltar a oferecer segurança e conforto aos peões. Embora em alguns locais os passeios simplesmente sejam estreitos demais e todos os peões são obrigados a andar na estrada. Em todas as cidades e vilas de Portugal podemos encontrar um passeio tão estreito que perguntamos porque fizeram tanto esforço para construi-lo. A resposta pode ser que dá a ilusão que resolve o problema da circulação dos peões. Mas a resposta também pode ser que é apenas a lei de menor esforço a funcionar. Por alguns projetistas é mais fácil construir uma rua com passeios demasiado estreitos do que escolher entre três soluções: alargar os passeios e consequentemente reduzir a faixa de rodagem; eliminar o passeio e criar uma rua partilhada; ou eliminar o trânsito e criar uma zona pedonal. Soluções óbvias para algumas pessoas, mas radicais para outras que não entendem que reduzir a velocidade dos carros e condicionar a sua circulação são metas positivas. São soluções óbvias se colocamos o peão primeiro.

É fácil colocar os peões primeiro porque são todos nós. Mesmo o condutor mais convicto tem de andar entre o seu carro e o parquímetro. E deveria ser fácil um projetista colocar os peões primeiro porque são os seus parentes, amigos e vizinhos. Avaliando um local ou sentado em frente do seu computador a desenhar, um projetista apenas tem de lembrar de um familiar mais velho, uma amiga com crianças pequenas e um vizinho que usa um andarilho para perceber a importância de criar um corredor pedonal livre de obstáculos, com um piso firme e regular, onde as pessoas podem andar à vontade.

Dado que somos todos peões não deve haver necessidade de defender a ideia de tornar os passeios mais seguros e mais confortáveis porque todos beneficiam. Exceto há pessoas que dão mais valor à possibilidade de estacionar onde julgam mais conveniente do que andar numa rua livre de obstáculos. Confesso para estas pessoas apenas posso dizer que regras existem precisamente para garantir que o resto da sociedade não sofre do egoísmo de uns poucos. Também há comerciantes que pensam se as pessoas não podem parar à sua porta não terão clientes. A estes diria que uma rua melhor ordenada, sem carros nos passeios, onde um consumidor pode andar à vontade e parar em frente de uma montra sem preocupar-se com a circulação das outras pessoas, vai aumentar as suas vendas.  

Por fim, do ponto de vista de uma pessoa com deficiência visual os passeios sempre vão ser espaços onde se tem de prestar atenção. Há sempre pessoas a circular a velocidades diferentes, tais como pessoas a fazer jogging e crianças a aprender andar de bicicleta, e há sempre a possibilidade de surpresas, por exemplo obras ou uma esplanada nova. E mesma numa cidade inclusiva haverá bancos para sentar-se, árvores para criar sombra, e esplanadas para usufruir. Ou seja, uma data de objetos serão sempre implantados nos passeios. Daí é essencial eliminar o maior número de obstáculos possível, alinhar os equipamentos essenciais para criar um percurso pedonal acessível e acabar com a circulação e o estacionamento abusivos. É uma meta atingível que necessita um pouco mais esforço por parte dos projetistas e fiscais municipais, e estes apenas terão de imaginar um parente ou amigo com mobilidade condicionada a andar na rua em questão para chegar à conclusão que têm de proteger e valorizar o espaço dedicado aos peões. E quando são mais velhos podem colher os benefícios.