Entrevista a Luís Gestas, Presidente da ANDDVIS – Associação Nacional de Desporto para Pessoas com Deficiência Visual, e ao atleta Paulo Coelho, da ACAPO-DL, o primeiro jogador a vencer a Taça Nacional de Showdown em Portugal.

O Showdown é um desporto individual, criado para pessoas com deficiência visual, e tem como objetivo a marcação de golos na baliza adversária, sem que a bola toque no ecrã central. É disputado por dois atletas, numa mesa retangular com os cantos arredondados, utilizando-se viseiras opacas, raquetes e uma bola de plástico com guizos no seu interior. O primeiro atleta a alcançar 11 pontos, mantendo uma distância de 2 ou mais pontos do adversário, vence o jogo.

O Showdown foi demonstrado oficialmente, pela primeira vez, nos Jogos Paralímpicos de 1980, em Arnhem, na Holanda. Em Portugal existe desde 2018, mas só agora tem início a competição oficial. Porquê?

Luís Gestas (L.G.) – Assim que este executivo tomou posse, em novembro de 2021, foi nossa intenção arrancar com competições oficiais de Showdown, até porque voltará a ser modalidade de demonstração nos Jogos Paralímpicos de Paris2024 e é nosso objetivo fazer todos os possíveis para assegurar presença portuguesa na competição. Também agora começa a registar-se um maior número de competições internacionais, como torneios e taças, que vão permitir explorar novas experiências aos atletas nacionais. No entanto, é preciso dizer que desde 2018 que a modalidade anda em permanente demonstração por todo o país.

Apesar de ter sido originalmente pensado para os cidadãos cegos ou com baixa visão, o Showdown pode ser praticado, em simultâneo, por pessoas com e sem deficiência, contribuindo desta forma para uma maior integração social. Considera que a prática desportiva tem um forte contributo para a autonomia e participação das pessoas com deficiência visual?

L.G. – Sem dúvida alguma. O Desporto é uma ferramenta poderosíssima de agregação social, para além de desenvolvimento físico e intelectual. Aliás, todos as modalidades para deficientes visuais são altamente inclusivas, uma vez que o uso generalizado das vendas em todas as modalidades, coloca todos os praticantes, com ou sem deficiência, ao mesmo nível. Temos vários exemplos de normovisuais que passaram a compreender muito melhor a realidade de um cego/amblíope, o que é algo de extraordinário quando se vê muita dificuldade (cada vez mais) em nos colocarmos na pele dos outros.

Paulo, o que o motivou a iniciar-se na prática de desporto?

Paulo Coelho (P.C.) – O desporto na minha vida teve o seu início quando era ainda bastante jovem. A minha carreira desportiva já vai para além das 3 décadas. Comecei por praticar Atletismo, tendo integrado a Seleção Nacional de Atletismo ao fim de ano e meio com a primeira participação internacional em 1989 no Campeonato da Europa que se realizou nos Países Baixos. Desde aí os resultados foram aparecendo, sendo que nesta modalidade de Atletismo conquistei mais de 30 medalhas em campeonatos da europa, do mundo e jogos paralímpicos, sendo que nestes últimos a subida ao pódio ocorreu por 6 vezes – três medalhas de ouro, duas de prata e uma de bronze. Apesar de já ter abandonado o Atletismo há alguns anos, mantive-me ativo no desporto praticando Goalball e, nos últimos 4 anos, o Showdown.

Enquanto atleta paralímpico, qual é o impacto que o Desporto tem na sua vida? Não só enquanto atleta, mas também enquanto cidadão.

P.C. – Atualmente reconheço que o desporto na minha vida teve, e ainda tem, um importante papel. A prática desportiva deu-me bastante autonomia, confiança para enfrentar as dificuldades da vida no dia-a-dia, de modo diferente, para uma pessoa com deficiência visual total. Teve igualmente um impacto significativo na mobilidade que hoje sinto, que sem o desporto seria mais difícil de alcançar. Quanto à perspetiva desportiva a dedicação, o empenho e a ambição de querer atingir novos desafios levou-me a superar alguns limites, sempre tendo em vista que o esforço dispendido dava os seus frutos. No entanto, para atingir tais resultados fui obrigado a abdicar de muitas coisas durante a vida, com prejuízo em grande escala para a família mais próxima.

O Paulo é atleta de Showdown, na ACAPO-DL. Há quanto tempo pratica a modalidade? Entre as diversas modalidades, o que o motivou a escolher o Showdown?

P. C. –  A modalidade de Showdown era-me bem familiar, pois nos diferentes campeonatos da europa, do mundo e jogos paralímpicos em que participei, as organizações colocavam à disposição dos atletas espaços com várias mesas para os praticantes das outras modalidades poderem experimentar esta modalidade. Tive a oportunidade de participar em torneios nessas competições, organizados pelos voluntários, tendo demonstrado já nessa altura, alguma performance considerável. Há cerca de 3 anos, e no sentido de aprofundar os meus conhecimentos sobre a modalidade de Showdown, inscrevi-me num torneio internacional em janeiro de 2019 que se realizou na Finlândia, no centro de estágios de Pajulathi. Apesar de apenas ter vencido um set, a experiência competitiva foi brutal. A motivação foi tal que passados alguns meses voltei aos torneios internacionais, desta vez em Vilnius (Lituânia), onde o desempenho já melhorou.

42 anos depois da demonstração oficial desta modalidade nos Jogos Paralímpicos, decorreu, em Loures, nos dias 9 e 10 de julho, a 1.ª Etapa da Taça Nacional de Showdown 2022. Como decorreu?

L. G. – Muito bem. Para primeira competição oficial, creio que tenha sido um bom pontapé de saída. Gostaríamos de ter tido mais participantes, mas ser pioneiro em alguma atividade é isso mesmo: desbravar caminho para quem vier a seguir e estou perfeitamente convicto que o Showdown irá ganhar o seu espaço em Portugal, não apenas como modalidade de competição, mas também como atividade de lazer, com um forte contributo para o aumento dos índices de atividade física que devemos todos, sem excepção, melhorar em Portugal. Não foram apenas os atletas que estiveram a abrir caminho: também os dirigentes, árbitros, staff. O pontapé de saída está dado, agora é sempre a melhorar.

P. C. – Em termos globais a iniciativa teve bastante qualidade. A nível da arbitragem o desempenho foi positivo, ainda que não se estejam aplicar algumas regras com o rigor desejado. Foi notório que a troca de ideias durante a competição valorizou a modalidade. Quanto à organização, o reparo a fazer foi transmitido durante a competição aos membros responsáveis, que está relacionado com o tempo estimado para a realização desta competição que durou 1 dia e meio e que, na minha opinião, foi excessivo, tendo em conta o n.º de atletas e jogos programados. Dei a conhecer que competições nestes moldes poderiam ser realizadas numa escola, em duas salas de aula, durante uma tarde, proporcionando o cumprimento das regras tal qual estão definidas nos regulamentos atualmente em vigor.

Nesta competição, o Paulo sagrou-se Campeão Nacional de Showdown. Qual é o sentimento de ser o primeiro atleta campeão nacional desta modalidade?

P. C. – Na verdade apenas fui vencedor da primeira jornada da Taça Nacional que engloba diversas etapas pelo país. É com grande satisfação que consegui alcançar o primeiro lugar nesta primeira etapa da Taça de Showdown, em representação do clube ao qual tenho muita honra em pertencer – ACAPO DL.

Estava à espera de ganhar a competição? Como foi a preparação para esta prova?

P. C. – A preparação para esta competição, para além das capacidades técnicas, assenta muito na concentração pré-competitiva e durante a própria competição, pois qualquer segundo que seja retirar o foco, leva a que o adversário conquiste pontos que poderão ser de difícil recuperação.

Como vencedor da primeira competição oficial de Showdown no nosso país, que conselhos deixa aos atletas que pretendam iniciar a prática da modalidade?

P. C. – O conselho que deixo é que venham experimentar a modalidade, sem receios, nem preconceitos e que se divirtam. O exemplo mais concreto são todos os participantes desta 1ª etapa da Taça Nacional de Showdown que, penso terem tido pouco contacto com a modalidade, mas que jogo após jogo demonstraram níveis de progressão no seu desempenho, bastante consideráveis e que estou em crer que vão repetir.

Quais são as suas expetativas e objetivos, num futuro próximo.

P. C. – Agora que a modalidade arrancou oficialmente em Portugal e tendo alcançado os primeiros pontos para o ranking nacional o objetivo é continuar a contribuir para o crescimento da modalidade em Portugal e, se possível, vencer esta competição. A nível internacional estou a ponderar uma nova participação num torneio, tendo em vista a consolidação dos meus conhecimentos técnicos e de experiência e somar mais pontos no ranking internacional, subindo alguns lugares.

E o Luís, enquanto Presidente de uma Associação de Desporto, quais são as expetativas, a curto e longo prazo, para o Showdown?

L. G. – Já o afirmei anteriormente: estou perfeitamente convencido que o Showdown irá ganhar o seu espaço em Portugal. Não apenas do ponto de vista competitivo, mas também como actividade física de lazer. É uma modalidade com técnica, estratégia, onde cada erro cometido conta como ponto para o adversário, ou seja, tem uma série de mais-valias que lhe permitem auspiciar um bom futuro. Acreditamos igualmente que a ACAPO, como parceira privilegiada da ANDDVIS, possa desempenhar um papel fundamental na disseminação do Showdown. A maior base de recrutamento de potenciais atletas estão, precisamente, na ACAPO e contamos com o vosso apoio para o tornar ainda mais conhecido e praticado.