ACAPO entrevista António Fagundes
Ator brasileiro apresentou em Portugal peça de teatro «Tribos»
Tornou-se conhecido do público português pelas interpretações em telenovelas como «Rainha da Sucata», «Dancin’Days» ou «O Rei do Gado». Atualmente, todas as noites, António Fagundes entra em casa dos portugueses com a telenovela «Amor à Vida», onde dá corpo a César, um personagem que leva ao pequeno ecrã o tema da intolerância, traição e cegueira.
“O meu personagem não existia, era para morrer no capítulo 40. A novela acabou tendo 220 capítulos e eu fico até ao fim… Então ele foi criando o personagem à medida que ia criando a novela.”
De passagem por Portugal para a apresentação da peça de teatro «Tribos», o ator explicou em entrevista à ACAPO, que a preparação para este papel foi assim feita pela observação, leitura e estudo. “Tem uma frase do Shakespeare, que eu gosto muito, em que ele diz que “estar pronto é tudo!”. Então se você está pronto, e a gente procura estar sempre pronto, é só usar aquilo que já foi pesquisado ao longo da vida. Então quando me perguntam quanto tempo eu levei para me preparar eu digo “normalmente 65 anos” [risos].
Em «Amor à Vida», António Fagundes é César, um médico profissionalmente bem-sucedido mas com uma vida familiar frustrada: não aceita a homossexualidade do filho (Félix), trai a esposa (Pilar) e aposta numa relação com a amante (Aline), a responsável pela sua cegueira.
É precisamente a partir deste momento que a história conhece uma reviravolta. Após ingerir um produto tóxico, César perde a visão e o público assiste à queda da personagem. Sem que atravesse pelo tão necessário processo de reabilitação, César manipulado por Aline, isola-se em quatro paredes e cede ao alcoolismo. Nem a bengala branca, que o acompanha nos seus curtos percursos, lhe devolve a autonomia e dignidade. “Eu sinto até que ele [autor da novela] podia ter aprofundado um pouco mais o problema específico da cegueira. Ele isolou aquele personagem numa casa porque ele queria mais a situação dramática do que o personagem enfrentar essa condição. Então é uma pena que isso não tivesse sido discutido em profundidade, deveria ter muita coisa para se falar, principalmente para uma pessoa que já teve visão e depois perdeu-a.”, defende o ator.
Não obstante, Walcyr Carrasco, o autor da novela, tal como é caraterística da indústria brasileira, levanta questões que fazem o espectador refletir sobre problemas vivenciados pelos personagens, no caso de César acerca do tema da deficiência e as suas implicações na vida diária. Apesar do seu papel social, António Fagundes considera que a telenovela é acima de tudo um produto cultural. “O entretenimento é o primeiro foco de qualquer autor, ator, artista. Agora se você puder, junto com esse entretenimento, colocar alguns problemas para discutir, para que as pessoas levem para casa, eu acho que aí você está contribuindo para que a coisa fique melhor.” Em
«Tribos», a peça que o levou a subir aos palcos em Lisboa, Porto, Braga e Figueira da Foz, António Fagundes coloca-se novamente ao lado de temas como a deficiência, inclusão e preconceito. “Acho que é uma causa [a inclusão] que devia desafiar a sociedade inteira. A inclusão para mim é a aceitação da deficiência. Se eu pego um deficiente auditivo e ponho ele a aprender a falar e a fazer a leitura labial, estou esquecendo que ele tem deficiência, estou querendo transformá-lo numa pessoa normal. Essa não é uma verdadeira inclusão!”
«Tribos» é uma comédia perversa que leva o espectador ao riso mas no final o coloca inevitavelmente a pensar sobre as consequências da incomunicabilidade, egoísmo, orgulho e preconceito.
Toda a peça gira em torno de Billy (filho de António Fagundes), um jovem com deficiência auditiva, que cresce no seio de uma família de ouvintes. Quando conhece Sílvia, uma jovem prestes a ficar surda, apercebe-se da existência de realidades que até antes desconhecia, nomeadamente a aprendizagem da língua gestual. A entrada de Sílvia representa um ponto de viragem na história que coloca Billy frente-a-frente com o preconceito. “Na verdade o grande problema do meu personagem não é o amor que ele tem pelo filho”, diz António Fagundes. “O grande problema é o preconceito. É o preconceito que ele tem daquela tribo e é por isso que a peça se chama «Tribos»”.
Mas Nina Raine, a autora da peça, leva o tema do preconceito mais longe. Em «Tribos» as dificuldades de aceitação da deficiência vivem-se também no contexto da própria comunidade surda. “Tem uma frase da Sílvia em que ela fala sobre a hierarquia dos surdos. Ela não é surda, está ficando surda, então ela é menos do que se tivesse nascido surda. Mas ela é filha de pais surdos, então ela ganha um negociozinho maior. O Billy é maravilhoso, nascer surdo, então é o melhor de todos dentro da comunidade mas ao mesmo tempo ele perde um pouquinho porque não sabe a língua de sinais”.
«Tribos» esteve em cena entre 10 de setembro e 12 de outubro, passando por salas de teatro em Lisboa, Porto, Braga e Figueira da Foz. Nestas cidades, com exceção de Braga, e tal como sucedeu nos palcos brasileiros, a peça foi apresentada com tradução para língua gestual portuguesa e audiodescrição. Desta experiência surge o compromisso: todas as peças de teatro que sejam montadas por António Fagundes terão pelo menos, uma sessão acessível ao público com deficiência visual e auditiva.
Esta promessa colocava um ponto final na conversa com o ator, que acontecia na única hora que separava as sessões da tarde e noite no Coliseu do Porto. Foi a primeira vez que contactou com a instituição portuguesa mas ainda assim não quis deixar de expressar os parabéns pelos 25 anos e desejar “boa continuação para este trabalho”.