Portugal não nos pode deixar para trás
Portugal tinha até amanhã para transpor Diretiva Europeia que obriga a que vários produtos/serviços possam ser utilizados por todos os cidadãos, de forma autónoma.
A União Europeia aprovou, em 2019, uma diretiva que prevê que todos os produtos e serviços, que sejam disponibilizados em qualquer estado europeu, tenham que respeitar um conjunto de regras de acessibilidade, por forma a que possam ser utilizados no seu máximo potencial por qualquer pessoa, independentemente de terem ou não deficiência, a partir de 2025. Este foi o resultado do trabalho da União Europeia com as organizações que, a nível europeu, representam e defendem os direitos das pessoas com deficiência. A Europa podia, assim, ficar mais acessível a todos e, portanto, mais inclusiva. As pessoas com deficiência poderiam, assim, exercer uma cidadania mais ativa e participada.
Para qualquer pessoa, utilizar um terminal de pagamento, uma caixa automática, uma máquina de emissão de bilhetes de transporte, um dispensador de senhas para registo ou para atendimento, uma box para acesso a canais de televisão ou um recetor de televisão digital, até mesmo um leitor eletrónico de livros, é algo que não apresenta dificuldades significativas. Basta olhar para os ecrãs, tocar nas imagens, e o produto servirá para aquilo que justificou a sua compra.
Para qualquer pessoa, aceder e interagir sem barreiras aos conteúdos digitais presentes em qualquer sítio web, aplicações para smartphone ou conteúdos interativos nas plataformas de televisão, saber informações sobre o meio de transporte que pretendem utilizar e poder adquirir e utilizar bilhetes para esses serviços, conseguir identificar-se autonomamente perante o seu banco, usar qualquer meio de pagamento ou assinar eletronicamente documentos conhecendo integralmente o seu conteúdo, escolher, comprar e ler de forma autónoma um livro, poder escolher o que comprar e realizar essas compras na Internet, é algo que também não apresenta dificuldades significativas. Basta olhar para os ecrãs, tocar ou clicar nas imagens, e os serviços ou a informação pretendida está de imediato ao seu alcance.
Mas para as pessoas com deficiência visual, muito do que acima foi dito continua a ser impossível, ou a estar sujeito a barreiras que dificultam muito a sua utilização. Nos dias de hoje, e com a inovação tecnológica a que temos assistido, estas limitações não têm justificação aceitável.
Durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, em 2021, o Governo português assumiu que as inovações tecnológicas têm de ser inclusivas para ninguém ficar para trás. Na altura, foi dito que “do bom trabalho que se consiga fazer ao nível da transposição desta Diretiva muito dependerá aquilo que resultará em termos de obrigações legais, seja para o Estado português, seja para os privados, em matéria de promoção da acessibilidade, principalmente a acessibilidade digital”.
Mas, o que se verifica é que terminou o prazo para transpormos esta Diretiva. Daqui a três anos, estes requisitos têm que ser obrigatórios para todos, para que ninguém fique para trás. Portugal não só não cumpriu o prazo, como também não envolveu, até aqui, as organizações representativas das pessoas com deficiência, como a ACAPO, na construção da legislação nacional sobre esta matéria desde o início. Foi esse o compromisso que Portugal também assumiu ao assinar a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Não vamos atrasar mais o que já está mais do que atrasado! O tempo de agir é agora, e quanto mais tarde o fizermos mais barreiras vão continuar a existir, e a ser criadas, para as pessoas com deficiência visual. Quanto mais tarde o Estado português fizer a transposição desta Diretiva, mais serão as responsabilidades que Portugal terá que assumir junto das instâncias europeias. Pior: mais serão as barreiras que as pessoas com deficiência visual continuarão a enfrentar no seu dia-a-dia!
A ACAPO conta com o Estado português para, no espírito da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, envolver ativamente e desde o início as organizações representativas das pessoas com deficiência na criação dos mecanismos legislativos de transposição desta Diretiva, essencial a que as pessoas com deficiência visual acedam sem barreiras aos produtos e serviços que qualquer cidadão usa, nas mesmas condições de igualdade! Não é remediando depois que se resolvem os problemas, é incluindo desde o início que se constroem soluções.
A inovação tecnológica tem de ser inclusiva para que ninguém fique para trás. As inovações legislativas nesta matéria também têm que ser inclusivas desde o início, para que ninguém fique para trás!
Pel´A Direção Nacional da ACAPO
Rodrigo Santos
Presidente