Foi recentemente publicada a Lei do Orçamento do Estado para 2022. Na referida lei, no seu artigo 272.º, surge uma norma relativa à acessibilidade aos transportes públicos para pessoas com deficiência visual, sobre cujo sentido e conteúdo a ACAPO nunca foi consultada.

A referida norma prevê a existência de sinalética tátil para a identificação, nos corrimãos de escadas e rampas, que permita a leitura em Braille. Não ignoramos a relevância da existência de sinalética indicativa, porque se existem placas de sinalização, deve existir acessibilidade que permita que o conteúdo dessa sinalização, como as direções de saída ou os sítios a que a escada ou rampa conduzem, sejam acessíveis de forma autónoma por qualquer pessoa, com ou sem qualquer deficiência.

Não tendo, como dissemos, sido consultados, e porque “nada sobre nós sem nós”, manifestámos, junto do partido que propôs esta norma, a nossa surpresa relativamente à mesma. É verdade que a identificação Braille em sinalética nos corrimãos de escadas e rampas em locais de paragem de transportes públicos é um passo no sentido da inclusão. No entanto, os problemas de acessibilidade aos transportes públicos por parte das pessoas com deficiência visual são bem maiores, e começam bem antes de chegarmos a quaisquer estações, gares ou paragens, onde existam escadas ou rampas cuja sinalética deva ser adaptada. Os problemas começam nas paragens sem qualquer tipo de sinalização, na falta de formação aos motoristas ou agentes comerciais quanto ao atendimento das pessoas com deficiência visual, na falta de acessibilidade dos sítios web, das aplicações móveis  e dos sistemas de bilhética, que fazem com que as pessoas com deficiência visual não possam aceder, em condições de igualdade, às mesmas informações que qualquer outro cidadão, essenciais para a planificação, aquisição e gestão das suas próprias viagens, na falta de sinalização adequada dos locais de paragem, na falta de acessibilidades que permitam às pessoas com deficiência visual saber em que gare ou linha parará o veículo que pretendem utilizar, na falta de informação sobre a próxima paragem e o destino, tanto no interior como no exterior dos veículos de transporte, indicações essas que estão visíveis para qualquer pessoa sem deficiência visual, na falta de espaços adequados no interior do veículo para as pessoas acompanhadas de cães de assistência, entre tantas outras.

Salientámos ainda que apesar de o Braille ser o sistema de leitura e escrita utilizado pelas pessoas com deficiência visual, nem todas as pessoas com deficiência visual conseguem ler Braille, seja por não terem ainda tido oportunidade de o aprender (sobretudo no caso de pessoas com deficiência visual adquirida numa fase mais tardia das suas vidas), seja porque, decorrendo a deficiência visual muitas vezes de outras condições como diabetes, a sensibilidade tátil destas pessoas não pode ser suficientemente trabalhada por forma a que possam ler Braille de forma autónoma. Recomendámos, por isso, que a mesma sinalética pudesse contemplar outros meios de interação, como por exemplo a interação digital através do telemóvel, ou a sinalização áudio.

Defendemos ainda que, apesar de ser um passo no sentido da inclusão, a existência de uma norma como esta poderá passar a ideia de que este é o principal problema que as pessoas com deficiência visual enfrentam no uso das redes de transportes públicos, ideia que está bastante distante de corresponder à realidade.

Enquanto única associação a nível nacional que tem legitimidade reconhecida pela lei para representar os direitos e interesses das pessoas com deficiência visual junto dos órgãos de soberania e administrativos de âmbito nacional, disponiblizámo-nos para trabalhar em conjunto – com este ou com qualquer partido político - no sentido de criarmos uma sociedade verdadeiramente inclusiva, que reforce e incentive os mecanismos de efetivação da participação das pessoas com deficiência visual na vida em sociedade, em defesa de uma cidadania ativa e participada.

Queremos representar cada vez melhor cada um dos nossos Associados. Por isso, se sente que podemos dar força à sua voz, não deixe de nos contactar.  Afinal, é da união de esforços que vive o associativismo!

Pel'A Direção Nacional da ACAPO

Rodrigo Santos

Presidente