Aproximam-se mais umas eleições autárquicas, as eleições em que todos os cidadãos, sem exceção, são convidados a escolher os políticos de maior proximidade: membros das assembleias de freguesia, das assembleias municipais e das câmaras municipais. Todos poderão escolher os políticos que, no dia-a-dia, mais perto estão das zonas onde vivem, das comunidades onde todas as pessoas participam. No entanto, a maior proximidade destas eleições afasta um grande grupo de pessoas de uma votação plenamente autónoma.

Em 2018, Portugal juntou-se ao grupo dos 13 países da União Europeia que dispõem de matrizes de voto em Braille para as pessoas com deficiência visual. As pessoas cegas ou com baixa visão passaram a poder expressar, livremente e de forma autónoma, o sentido do seu voto, com a garantia de confidencialidade plena quanto ao sentido de voto que está na base de qualquer regime democrático.

No entanto, em 2021 as pessoas com deficiência visual não vão poder votar com recurso a matrizes de voto em Braille. Motivos sobretudo operacionais e de poupança de custos levaram a que, quando alteraram a lei em 2018, os deputados da Assembleia da República tenham deixado de fora as eleições autárquicas. Como eles, acreditámos que em 3 anos surgiriam alternativas. Três eleições – uma para a Assembleia da República, outra para o Parlamento Europeu, e outra para Presidente da República, poderiam ter servido de teste para, em conjunto, se repensar um modelo que permitisse o alargamento da votação, em Braille ou noutros suportes acessíveis, às eleições autárquicas. Pelos vistos, três eleições não foram suficientes para chegarmos à conclusão de que era imperioso alterarmos o sistema de voto, para contemplar a matriz de voto em Braille ou outros formatos acessíveis de votação em todas as eleições.

O tempo das promessas está agora a chegar ao fim. Daqui a duas semanas e meia os portugueses serão de novo chamados às urnas, para escolher os políticos de maior proximidade. Mas as pessoas com deficiência visual terão que voltar a confiar numa pessoa da sua escolha para saberem que partidos estão no seu boletim de voto, e também para expressar o sentido de voto na opção que entendem ser a melhor para as comunidades onde vivem, trabalham e participam. Tudo porque ao fim de três eleições, Portugal não foi capaz de adaptar o seu sistema de voto para que a matriz em Braille, ou outro sistema de votação plenamente inclusivo, fosse implementado nas eleições autárquicas. Neste caso, a maior proximidade, em vez de incluir, exclui efetivamente as pessoas com deficiência visual deste ato eleitoral.

Para a ACAPO, este é um retrocesso inaceitável. É tanto menos aceitável quanto o Estado se comprometeu, para o ano de 2021, em alargar o sistema de voto em Braille, como consta na recém publicada Estratégia Nacional para a Inclusão das Pessoas com Deficiência. É tão menos aceitável quanto há mais de 12 anos Portugal se comprometeu, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a garantir que os procedimentos de eleição e os respetivos materiais são acessíveis, em todas as eleições, e não apenas em algumas.

Existem várias soluções, legislativas e técnicas, de voto acessível e inclusivo. Ao longo dos últimos anos, temos recomendado por várias vezes as mais diversas soluções, e temo-nos disponibilizado para as testar e para participar na sua implementação. Todas esbarram nas dificuldades de implementação, na incapacidade técnica do produtor escolhido pelo Estado para as implementar, na incompatibilidade com a maneira específica de organização do processo eleitoral português, ou na insuficiência orçamental para a sua implementação. As questões de cidadania, onde se inclui o direito ao voto plenamente acessível a todos, são das mais básicas exigências da vida de um país. Mas repensar processos não custa dinheiro, e nem isso foi feito.

Queremos um processo eleitoral plenamente inclusivo, acessível a todos independentemente da sua deficiência, e acessível em todas as suas fases. Queremos o cumprimento de todos os compromissos assumidos pelo Estado português nesta matéria.

 

A Direção Nacional da ACAPO