Em 2018, nasceu pelas mãos da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) o RNOFA – o Repositório Nacional de Objetos em Formatos Alternativos. A plataforma visa facilitar o acesso a informações em braille impresso e digital, áudio e a textos digitais disponibilizados pela BNP e pelos parceiros do projeto. Todos os leitores podem agora saber onde existem documentos em formato acessível mas só alguns, as pessoas com deficiência com dificuldade de acesso à leitura, lhes podem ter acesso.

Louis Braille: O RNOFA é prova da dispersão das obras em suporte acessível no nosso país?

Carlos Ferreira: O RNOFA é prova da junção das obras em formatos alternativos existentes neste país e nasce exatamente dessa questão que levantou, que é a dispersão da informação. Ele nasce por causa disso, pela necessidade que todos sentimos que somos um país com recursos limitados, com noção que produzir qualquer coisa neste país em formato alternativo sai caro. Tudo o que se produz é sempre pouco para as necessidades das pessoas cegas e com baixa visão. É, por isso, que não nos podemos dar ao luxo de não saber o que existe, onde existe e como lhe podemos aceder. É, por isso, que nasce este repositório.

L.B.: E basearam-se em alguma experiência internacional para o desenvolvimento do RNOFA?

C.F.: Não propriamente. A Biblioteca Nacional de Portugal já tem esta finalidade, não só para os objetos em formatos alternativos mas em geral. A Biblioteca configura-se como entidade responsável pela preservação, manutenção e disponibilização ao público de material de âmbito cultural, e não só, que vai sendo produzido em Portugal e ao terem integrado nos seus serviços uma área de leitura para deficientes visuais fazia sentido que, constatada esta situação, viesse a criar um repositório como este.

Existem alguns projetos similares no estrangeiro mas muitos deles direcionados para os objetos digitais. No âmbito francófono existe um repositório de objetos digitais acessíveis que integra Bélgica, França, Suiça, etc., mas estamos apenas a falar de objetos digitais. No caso do RNOFA não são só objetos digitais. Claro que o que salta logo são os objetos digitais porque as pessoas podem ter acesso direto e fazer a transferência imediata mas também podem saber o que é que existe em Braille, ou até noutros formatos, designadamente, figuras em relevo, onde é que existe e como é que podem aceder.

L.B.: Para consulta no local…

C.F.: Exatamente. Mas é preciso saber que existe. Estou a lembrar-me do número especial do Jornal dos Cegos impresso em Braille e tinta na Imprensa nacional 1898, aquando da comemoração dos 400 anos da Descoberta do Caminho Marítimo para a Índia. É engraçado perceber que nessa altura, a Imprensa Nacional foi capaz de imprimir um jornal em Braille. É um documento que só existe aqui e que só pode ser consultado aqui. Porque é único! Acho que não o podemos deixar sair daqui. Mas é importante que toda a gente saiba que existe e o pode vir aqui consultar. Outras instituições têm um conjunto de informação que também é reservado ou porque é em Braille e não pode ser sujeito a transferência digital. Mas é importante saber. Aliás, estou a desenvolver esforços com as equipas especiais das escolas. As escolas de referência têm equipas especializadas que durante o ano procedem à transcrição e adaptação de um conjunto de materiais e, muitas vezes, chegado o fim do ano, aquilo parece que desaparece. E nós esquecemo-nos que é todo o nosso dinheiro que está ali e que aquilo pode ser replicado. O que às vezes foi construído para um aluno do 7.º ano de escolaridade poderá parecer não ter mais qualquer utilidade mas tem! Eu senti muito isso enquanto pai que não vê e que tem de se responsabilizar pela educação dos seus filhos. Mas como são crianças que veem tinha de ter informação adaptada para poder acompanhar os processos evolutivos e educacional deles. Aliás, lembro-me que em 1990 se despoletou um movimento em França muito interessante. Nós preocupamo-nos muito com a produção de materiais em formatos alternativos para pessoas que não veem mas depois esquecemo-nos que também temos de nos preocupar em disponibilizar materiais em formato alternativo para pais que têm de acompanhar a educação de filhos que veem. Essas questões são importantes e daí o nosso intuito. É importante também que o material que é produzido, por exemplo, nas escolas de referência seja referenciado e não se perca. Se eles eventualmente não tiverem espaço, nós podemos armazená-lo mas o importante é que se saiba que ele existe. Nós temos um leitor que procura um manual que foi produzido na Direção Geral de Educação Básica e que foi feito em termoform em 95 mas desapareceu, ninguém sabe dele porque ele nunca foi depositado aqui! É evidente que as coisas felizmente correm cada vez menos esse risco porque a maioria do material que é produzido são de nados-digitais mas há muita coisa que vai para além da impressão digital. É preciso perceber que é necessário preservar estes documentos. Construir uma maquete, que dá imenso trabalho, e teve utilidade para um determinado aluno, do Básico ou do Secundário, tem de ser preservada porque nunca se sabe quando é que ela vai voltar a ter utilidade.

L.B.: Em relação especificamente ao RNOFA, como é que se encontra desenhado este repositório?

C.F.: O RNOFA tem essencialmente duas vertentes: enquanto catálogo coletivo e repositório de objetos em formato alternativo. A primeira vertente é aquela em que estávamos a falar. Todas as entidades, sejam elas quais forem, que produzam ou distribuam materiais em formatos alternativos devem ser nossas parceiras e referenciar a sua existência nesse catálogo coletivo. Catálogo coletivo a que qualquer cidadão, independentemente de ter ou não necessidades especiais tem acesso, seja o cidadão comum, seja o pai, uma criança com necessidades especiais, seja quem for. Depois temos o repositório de objetos em formatos alternativos, Braille digital, digital texto, epub3, daisy, tanto o 2.0 como o 3.0, e também dos livros áudio em mp3. Isso é um repositório, de acordo com a atual lei dos direitos de autor e direitos conexos, só podem ter acesso [aos materiais] leitores certificados e que comprovem ter deficiência visual. Isso vai ser ligeiramente alternado quando a diretiva comunitária, que já foi aprovada, e respetivo regulamento da adesão da União Europeia ao Tratado de Marraquexe entrar em vigor em Portugal, uma vez que ele é mais abrangente e tem como destinatários não só pessoas com deficiência visual mas todas as pessoas com impossibilidades de acesso ao texto impresso. Podemos estar a falar de tetraplégicos, acamados.

L.B.: Uma pessoa com dislexia…

C.F.: Sim. Mas em termos ainda de desenho propriamente dito foi ainda uma aplicação que foi trabalhada a partir do GIB, que é uma aplicação de gestão de bibliotecas, da Libware, mas que foi concebida para ser totalmente acessível nas suas diferentes vertentes, desde o sistema de gestão de documentos, catalogação… Nós, quando começámos a trabalhar pensámos sobretudo, e uma vez que admitimos vir a ter parceiros, e felizmente, neste momento, já temos oito parceiros oficialmente, que devíamos ter uma aplicação que fosse acessível nas suas diferentes valências e haviam várias hipóteses. Uma das formas que temos de aceder a aplicações informáticas, talvez o mais antigo e utilizado leitor de ecrã, é o Jaws for Windows mas que é um leitor de ecrã relativamente caro. E a nossa opção foi ir por uma solução que não trouxesse custos, da mesma forma que a aplicação que nós iamos instalar nos nossos parceiros não teria custos para eles. Se os utilizadores fossem pessoas com deficiência visual então também não teriam quaisquer custos e, por isso, otimizámos a aplicação para NVDA.

L.B.: É uma plataforma da responsabilidade BNP mas conta com a parceria de outras instituições.

C.F.: Quando decidimos pôr o projeto de pé convidámos a Unidade Acesso, nas pessoas do Dr. Jorge Fernandes e Cláudia [Cardoso]. Sabíamos muito bem o que é queriamos e tinhamos consciência dos recursos limitados que o país tem. Mas a verdade é que o processo andou muito depressa, tivemos um ótimo acolhimento não só no financiamento, como na disponibilidade por parte da Unidade Acesso em poder-nos acompanhar para eventuais necessidades que tivessemos no âmbito da implementação do projeto.

L.B.: Depois têm as instituições entre as quais a ACAPO.

C.F.: Depois temos exatamente as instituições que são a razão de ser do projeto. Para nós não precisávamos de criar um RNOFA. Nós temos uma aplicação que está no ar que é o Horizon que gere o sistema de bibliotecas da BNP, bastando pura e simplesmente agregar os objetos digitais e conseguiamos então disponibilizar a informação aos nossos leitores. Mas o nosso objetivo não é esse. Tendo em conta a escassez, a importância, o custo de produção e distribuição de materiais em formatos alternativos, a importância do projeto é saber o que existe e onde existe e para isso nós temos de ter parceiros – outras instituições que produzam ou distribuam materiais em formatos alternativos. A ACAPO tem uma série de delegações. Tem, por exemplo, uma nos Açores. Eu vou de férias amanhã para os Açores e quero ler um livro em Braille, e pergunto-me porque é que eu hei-de ir carregado com um livro em Braille na minha bagagem, se posso saber previamente se esta delegação tem algum livro nesse suporte. Essa informação para mim é útil. Se estiver algum livro disponível eu posso dispensar de carregar esse livro comigo e chegar lá e requisitá-lo. Quando falo dos Açores, falo do Algarve, de Coimbra, do Porto. E estou a falar de muitas instituições das quais quase nem nos lembramos. É evidente que nós aqui juntamos os maiores produtores de materiais em formatos alternativos: Biblioteca Sonora do Porto, Biblioteca Municipal de Gaia e a BNP. Mas falta-nos, por exemplo, a Direção Geral de Educação, a própria ACAPO, no caso do Centro de Produção. Às vezes questiona-se: um folheto que a ACAPO produz para determinado fim será que é relevante? Se uma pessoa cega quiser fazer uma investigação sobre a evolução da produção de material Braille publicitário, como é que o pode fazer? É relativamente fácil para uma pessoa que vê chegar a esse material para fazer essa investigação mas no caso da produção em Braille se isto tudo não ficar registado e catalogado e disponível de alguma forma é muito difícil fazer estes trabalhos de investigação.

L.B.: Talvez esse não fosse o seu propósito inicial mas considera que o RNOFA também é uma forma de estas entidades parceiras se organizarem? Isto porque talvez nas próprias organizações também a informação se encontrava dispersa e agora necessariamente este é um trabalho que vão ter de fazer.

C.F.: Sobretudo que isto seja um alertar de consciências para o tratamento e preservação da informação em formatos alternativos. Neste país cometeram-se alguns crimes de âmbito cultural, a nível geral, e no caso de documentação em formatos alternativos também. Começando se calhar pela Biblioteca do ex-Instituto Branco Rodrigues, passando pela Biblioteca do Instituto António Feliciano Castilho e outras. Nós encontrámos exatamente algum desaparecimento e destruição de material que era muito relevante. Lembro-me, por exemplo, do professor Dr. Salgado Baptista ter doado à ACAPO a sua coleção de Poliedro, que hoje já não existe. É pena porque pelo menos o número 2 dessa coleção acho que não existe em lado nenhum. Isto são fases que se passam. Começa a surgir a digitalização e pensa-se que de repente tudo o resto não tem interesse. Nós não temos essa noção. Tentamos partilhar esta nossa visão e hoje, inclusive, estamos a fazer um trabalho de recuperação de material Braille, recorrendo ao OBR – Optical Braille Recogntion. Um dos objetivos deste repositório é também esse. É tentar transformar toda a informação existente em papel em Braille, em formato digital e em alguns casos de se recorrer ao OBR ou a transcrição direta para computador. Porque as pessoas às vezes têm um bocadinho a noção que o que existe em formatos alternativos é, regra geral, a transcrição para estes formatos de documento imprensos a tinta ou produzidos por pessoas sem deficiência mas   esquecem-se que há pessoas cegas que produziram muita e muito boa informação diretamente em Braille. Aliás, numa era em que os estudos na área da educação especial e da tiflologia, em particular, começam a ter alguma relevância, não só no âmbito das licenciaturas, como pós-graduações, mestrados e mesmo doutoramentos, é muito importante que até mesmo informação que só existe em Braille esteja acessível a toda a gente. Nós fizemos esse esforço! Quando eu entrei em 2012, a primeira coisa que se fez foi editar também a tinta a nossa publicação trimestral, “Ponto e Som”, que até aí só existia em Braille ou suporte digital - como se esta [revista] fosse só dirigida para cegos. Mas contendo muitos artigos no âmbito da tiflologia, que para quem vê e não sabe ler Braille e pretende fazer investigação sobre esta matéria é extremamente importante. Artigos em revistas da especialidade como a Poliedro ou a Revista dos Cegos, que era uma revista publicada pela APEC desde 1920, que estava editada em Braille, importa que sejam também acessíveis a pessoas que veem porque as pessoas que veem começam a ter interesse por esta matéria, em áreas de estudo mas às vezes até por mera curiosidade e não só. Estamos a falar de uma população cada vez mais culta e estamos a falar de pais que por vicissitudes várias têm no seio membros com deficiência visual e precisam informar-se. Muita informação existia exatamente nestas revistas especializadas e muitas vezes só escrita em Braille. Da mesma forma que as pessoas cegas querem ter acesso a informação disponibilizada aos outros, deve haver um esforço de disponibilizar informação que só existe em Braille e de relevo a toda a gente que queira lê-la, analisá-la, investigá-la.

L.B.: Ainda no que se refere aos seus princípios, o RNOFA coaduna-se também com os do Tratado de Marraquexe.

C.F.: Sim, claro. Aliás foi uma forma que nós encontrámos também de agilizar a entrada em vigor aquando da transposição da diretiva do Tratado de Marraquexe. Quem conhece o Tratado de Marraquexe sabe que há um conjunto de entidades que são as entidades autorizadas que podem ter acesso a disponibilizar materiais em formatos alternativos. Nós queremos um pouco que as entidades que participam no RNOFA de alguma forma possam já estar “indiciadas” como entidades autorizadas.

Sobre o Tratado de Marraquexe

L.B.: Uma das questões seria a circulação transfronteiriça das obras em formato acessível, no caso desta plataforma ela só está acessível aos leitores portugueses?

C.F.: O RNOFA tem algumas interações com outros projetos internacionais. É importante dizer que em 2014 a Biblioteca Nacional de Portugal tornou-se membro do consórcio Daisy, é a única entidade nacional membro desse consórcio, e também a partir de 2015 torna-se membro do ABC – Accessible Books Consortium – que é uma entidade da Organização Mundial da Propriedade Inteletual. Nesse caso, os dados que existem no RNOFA são coletados e enviados ao ABC e todos os membros têm acesso a esta informação. No que se refere ao acesso transfronteiriço destes objetos para que exista esta livre circulação, os países têm de ter assinado e ratificado o Tratado de Marraquexe. Os países que o fizeram a partir desse momento passam a ter acesso ao nosso acervo e vice-versa. É evidente que temos contactos com outros países e a Biblioteca Nacional há muitos anos tem leitores nos quatro continentes. Tem leitores sul-americanos, na Argentina, em África, nos países de língua oficial portuguesa, na Europa, alguns emigrantes e outros que não sendo querem aprender português, e ainda na Ásia, designadamente, em Timor. E aí, esse trabalho que já estava a ser feito viveu um bocadinho à rebelia da lei portuguesa. Achava-se que o material que era Braille podia circular por estes países. Não é bem assim. E nós vamos vivendo um bocadinho nesta situação de “cai não cai”. No entanto, temos algumas coisas que não nos levantam problemas nenhuns, como as publicações exclusivas da BNP. Quando são publicações, excertos de livros que nós preparámos também não tem esse problema. Na questão do Braille nunca ninguém levantou grandes questões à cedência transfronteiriça mas quando se trata de áudio ou em formato digital nós aí temos algumas restrições porque quando o material depois é cedido aos leitores nós perdemos um bocadinho o controlo. E daí nós querermos afirmar só esta total acessibilidade no âmbito dos países signatários do Tratado de Marraquexe.

L.B.: O RNOFA é uma plataforma viva que pretende crescer. Considera que a produção Braille acompanhará essa evolução?

C.F.: A produção de informação em formatos alternativos é sempre pouca, áudio, Braille, texto digital… Tudo isso somado é sempre muito pouco comparado com aquilo a  que vocês têm acesso. Quando falamos de Braille existe na generalidade uma grande confusão na cabeça das pessoas. As pessoas quando falam em Braille estão a referir-se a Braille impresso em papel mas o Braille não é só isso é também isto [aponta para notebook] onde tenho um grande número de livros em Braille sempre acessível debaixo da minha mão. Primeiro conceito que eu acho que é importante: para pessoas cegas, o Braille é o único meio de leitura, “ponto final, parágrafo”. Tudo o resto são meios complementares e extremamente importantes mas meios complementares. As pessoas que veem quando utilizam suportes digitais para ler continuam a ler na mesma. Connosco, pessoas cegas, é exatamente a mesma coisa. No RNOFA temos uma versão digital em Braille que tem exatamente a mesma configuração da versão em papel que pode ser carregada para um dispositivo móvel, para este iphone, se eu quiser, coneto a minha linha Braille, via bluetooth, e leio o livro em Braille, tal qual como se estivesse a ler uma folha de papel. Neste momento da mesma forma que os documentos que vocês leem impressos em papel são nados-digitais, no caso do Braille é exatamente a mesma coisa, eles são nados-digitais também. Quando falamos da produção em Braille, a primeira resposta é que “cresce, tem de crescer e há-de crescer cada vez mais”. Nós estamos a percorrer um caminho que os Estados Unidos já percorreram. Durante muitos anos, depois do surgimento da voz sintetizada achou-se que para as pessoas cegas seria muito mais cómodo ouvir ler e que estas não precisam ler Braille para nada. Depois percebeu-se que não é assim. Para as pessoas que veem nem sempre as imagens são suficientes. Também gostam de ler um livro e, muitas vezes, quase sem imagens, mas isso tem que ver com aspetos educacionais. Agora a produção de livros em Braille vai continuar a existir. Ainda temos um caminho longo a percorrer. Os Estados Unidos estão neste momento a fazer o caminho inverso porque se percebeu que há áreas que para uma pessoa cega têm de ser lidas. Ninguém se imagina a ler um texto em língua inglesa, numa fase de aprendizagem, ouvindo ler. Ninguém se imagina a trabalhar uma área do conhecimento, como a matemática, sem ler. E também ninguém se imagina a ler um livro de pornografia sem ser a ler. Há coisas que têm de passar por este ato mais íntimo que é exatamente a leitura. Quando se lê é porque se quer de alguma forma interiorizar.

Conheça o RNOFA

Quando não se lê, quando se ouve ler, mesmo que seja através de uma leitura de uma voz humana, ou de um sintetizador, parece que esta fica sempre associada a determinada interpretação, que não deixa margem para que o leitor reflita, interprete e crie a sua própria indentificação com aquela obra. Imagine, por exemplo, um poema. Quando ouve ler um poema, a sua capacidade de interpretação fica logo limitada porque a forma como alguém o leu para si parece que tem uma carga associada. Há coisas que só a própria leitura nos dá.  Nós não podemos descurar a leitura! Para além de que estamos exatamente como estão as pessoas que veem. As pessoas quando passaram a ver televisão, passaram a ter cada vez mais acesso a imagem e som mas talvez não se imagine a ter um telemóvel que lhe fale tudo e não a deixe ler, pois não? Pronto, eu também não! E aqui estamos em pé de igualdade. As pessoas que veem adoram ver televisão mas gostam de poder ler as legendas, gostam de poder ler um livro. Eu gosto de ir para a praia e levar um livro. Nós [BNP] fazemos isso agora. Temos livros em formato pequeno (30 por 15 linhas). Isto até surgiu da necessidade de uma senhora que dizia “eu até quero ler mas cada vez que penso em levar um livro Braille para ler no comboio… Se ao menos aquilo coubesse na minha carteira”. E assim nós criámos um livro com 50, 60 páginas Braille mas que cabe numa bolsa, numa pasta ou no bolso de um casaco e que chega ao comboio e se tira, até na praia. Porque é que uma pessoa sem deficiência visual há-de estar a ler livros de anedotas ou passatempos na praia e eu não posso? Mas não me dá jeito nenhum levar um bloco de notas para a praia. A tendência é que leitura seja digital. Estou muito convencido que mais 10, 15 anos os livros em Braille impressos em papel serão muitos poucos mas os livros em Braille serão cada vez mais.