A audiodescrição é uma técnica que, quando aplicada à televisão, visa facilitar o acompanhamento dos programas de televisão por parte de quem é cego ou tem graves limitações da visão.

O recente “Estudo sobre a receção de audiodescrição transmitida pela RTP” publicado pela Unidade ACESSO do Departamento da Sociedade da Informação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, causou perplexidade pelos resultados encontrados: surpreendeu pela esmagadora maioria de pessoas com deficiência visual que nunca viu, ou melhor, ouviu a audiodescrição da RTP, mas também surpreendeu os investigadores ao revelar qual é a principal razão para tal. Esta última era desconhecida e parece-nos que a ACAPO poderá ajudar a melhorar a situação.

A audiodescrição é uma técnica que, quando aplicada à televisão, visa facilitar o acompanhamento dos programas de televisão por parte de quem é cego ou tem graves limitações da visão.

Durante o período de execução do presente estudo (novembro 2016), a RTP exibiu as séries “Miúdo Graúdo”, “Mulheres Assim”, “Os Boys” e “Dentro”, o que correspondeu praticamente à exibição de uma série diária com audiodescrição – um assinalável trabalho do seu departamento de acessibilidade. Para 2017, de acordo com o novo Plano Plurianual de Acessibilidade à Televisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) só o canal RTP1 tem por meta fazer 70 horas/ano, o que, ao ritmo imprimido pela equipa de acessibilidades da RTP no último trimestre de 2016, e que, pela observação da equipa da Unidade ACESSO, se mantém no primeiro trimestre de 2017, não será difícil.

A grande questão é mesmo “como é visto este trabalho do lado dos espetadores com deficiência visual?”

Para responder à pergunta foi elaborado um questionário online, o qual foi divulgado junto de instituições representantes de pessoas com deficiência visual (pessoas cegas e pessoas com baixa visão) residentes em Portugal. A ACAPO foi uma das instituições que se associou à iniciativa.

O questionário esteve online durante todo o mês de novembro de 2016. Foram recebidas 80 respostas válidas de pessoas com Deficiência Visual – 59% eram cegas e as restantes tinham baixa visão (conforme figura 1). 55% dos respondentes eram do sexo masculino.

Figura 1: responderam 80 pessoas das quais 59% eram cegas e 41% tinham baixa visão.

58,8% cegueira 41,3% baixa visãoÀ pergunta “Já assistiu a algum dos episódios, destas séries, com audiodescrição?” a resposta, expressa na figura 2, é esmagadora: 85% dos respondentes com deficiência visual disseram nunca terem assistido a nenhuma das séries transmitidas pela RTP com audiodescrição.

Figura 2: Já assistiu a algum dos episódios, destas séries, com audiodescrição?

Figura 2Esta tão elevada percentagem de não utilizadores, da funcionalidade de audiodescrição posta à disposição pela RTP, não surpreendeu a equipa de investigação da Unidade ACESSO. Na verdade, são recorrentes as queixas de potenciais utilizadores que chegam a esta Unidade quanto à forma como a funcionalidade está a ser distribuída. Aliás, o estudo, visava mesmo perceber se a tecnologia utilizada na distribuição da funcionalidade era um impedimento forte.

Tabela 1: Tecnologias de receção de audiodescrição usadas pelos espetadores da RTP (%)

Tecnologias %
TDT 42
Rádio via Onda Média

58

Descobriu-se que a tecnologia de distribuição da funcionalidade da audiodescrição também é um impedimento, mas, e por surpresa dos investigadores, o estudo revelou que não é a principal. A principal razão invocada pelas pessoas com deficiência visual para nunca terem assistido a uma das séries da RTP com audiodescrição é o desconhecimento. 68% dos que nunca assistiram, desconheciam que as séries em causa estavam a ser transmitidas com audiodescrição.

Figura 3: Dispõe de algum tipo de serviço que lhe permita aceder à Internet a partir de casa?

Figura 3

Só depois surge o facto de não disporem de Televisão Digital Terrestre (20%) ou de não terem um aparelho de rádio com onda média ou de não o conseguirem sintonizar com boas condições de receção (40%), como justificação para nunca terem tido a oportunidade de assistir a uma emissão com audiodescrição.

Dos escassos 15% que dizem já ter desfrutado, 42% assistiu à audiodescrição via Televisão Digital Terrestre (TDT) e os restantes 58% via onda média da Antena 1.

Notas e conclusões finais

A principal interrogação da equipa da Unidade ACESSO centrou-se no tipo de tecnologia de transmissão usada em Portugal pela RTP: (a) o uso da TDT – Televisão Digital Terrestre, e (b) o uso da rádio – Onda Média da Antena 1.

No caso da TDT, a desadequação da tecnologia para transmissão da audiodescrição começa logo pela consulta das estatísticas da ANACOM:

“No final de 2016, a taxa de penetração do serviço de distribuição de sinais de TVS [Televisão por Subscrição] situava-se nos 90 assinantes por cada 100 famílias clássicas” (ANACOM, Relatório do Serviço de Televisão por Subscrição - 2016)

Ou seja, apenas 10% das famílias tem na TDT a sua única forma de ver televisão. Segundo os dados da ANACOM, a TDT é uma tecnologia com baixa penetração nos lares dos portugueses e com tendência a decrescer. Para além disso, o SAP (Second Audio Program) não é uma funcionalidade presente em todas as set-top-boxes de TDT existentes no mercado nacional. É frequente os espetadores com deficiência visual, interessados na audiodescrição, queixarem-se que não o conseguem fazer nas suas televisões.

Quanto à transmissão da audiodescrição sincronizada via rádio, mais concretamente via Onda Média da Antena 1 é uma técnica que apresenta já vários problemas de dessincronização com a emissão de televisão. Já é difícil encontrar rádios com a Onda Média e tem uma receção difícil na maior parte dos lares. Não é, de todo, uma tecnologia já do nosso tempo – relembramos que são já vários os países europeus que falam no “switch off” (desligar) da rádio por FM, uma tecnologia de 1933, a favor do digital via Internet – a Onda Média é já uma verdadeira peça de museu.

Perante os resultados do presente estudo, a equipa da Unidade ACESSO sugere que:

  • No curto prazo, a RTP passe a usar a Internet, nomeadamente a RTP Play, para transmitir a audiodescrição. Um dos dados recolhidos neste estudo foi a existência de Internet em casa – 90% dispõe de Internet em casa. Durante o WorkShop – Enabling Accessibility in a Connected World que teve lugar em Portugal em fevereiro 2016, evento organizado pelo Consórcio HBB4All do qual a RTP também faz parte e do qual foi anfitriã, ficou a saber-se que a Rádio e Televisão da Eslovénia (RTV SLO) disponibiliza no seu sítio Web um arquivo dos conteúdos acessíveis produzidos. Faz todo o sentido que a RTP também dinamize a sua infraestrutura online para este efeito.
  • No longo prazo, este estudo chama igualmente a atenção dos plataformistas que disponibilizam televisão por subscrição. É fundamental que os mesmos passem, no mínimo, a disponibilizar os conteúdos acessíveis nos seus servidores para que os espetadores os possam descarregar. Isto aplica-se não apenas a conteúdos com audiodescrição, mas também aos conteúdos com Língua Gestual Portuguesa e com legendagem para surdos. No caso concreto da audiodescrição é fundamental que os plataformistas, detentores das plataformas digitais que servem os canais por subscrição em conjunto com estes, apostem no segundo canal de áudio para fazer chegar a audiodescrição ao telespetador interessado.
  • Para fazer face à grande barreira identificada no estudo – o desconhecimento – é importante que instituições como a ACAPO procurem a informação sobre quais os programas que estão a ser transmitidos com audiodescrição nos diversos canais de televisão e os divulguem pelos seus associados.