Texto publicado na PDF icon Revista Louis Braille n.º12 da autoria de José Eduardo Gaspar Arruda, presidente da Direção Nacional da ACAPO entre 1999 e 2004. 

Quero começar este texto dizendo que é um privilégio escrever para a revista Louis Braille aquando da comemoração dos 25 anos da ACAPO e que não se pode falar desta sem deixar uma nota sobre aqueles cegos e amblíopes que sonharam romper a marginalização a que eram votados, vendo no associativismo um instrumento para tal desiderato e tendo ousado dar os primeiros passos nessa caminhada. Hoje temos na liberdade de associação um direito fundamental e na relação com aqueles com quem partilhamos as nossas dificuldades e afinidades algo natural e fácil, mas nem sempre assim foi. Na verdade, os primeiros cegos que ousaram congregar esforços com outras pessoas com a mesma deficiência tiveram de enfrentar o preconceito e a resistência da sociedade, dos poderes instituídos e, por vezes, até das suas famílias. Mesmo que muitos dos nomes dos obreiros dos primeiros movimentos de pessoas com deficiência visual se tenham perdido na história, importa que não se varra da memória coletiva a consciência do muito que fizeram. Para o tempo e as circunstâncias em que viveram, quebrar o isolamento em que se encontravam, procurando assumir as suas vidas nas suas próprias mãos, é algo comparável aos mais notáveis feitos de autodeterminação da história. Saibamos, pois, honrar os artífices de tal feito, cujo querer derrotou o preconceito da sociedade, cujo vigor derrubou os obstáculos de um mundo generalizadamente inacessível e cujo ideal venceu um destino que diziam certo.

Avultam nos antecedentes da ACAPO as três instituições criadas durante o Estado Novo. Sabemos o quão difícil foram esses tempos para o movimento associativo em geral e temos a noção que muito mais difícil era para o associativismo das pessoas com deficiência e para a luta pela emancipação dos cegos.

No caminho que levou à ACAPO é, também, importante lembrar o 25 de Abril, momento em que a Liberdade acendeu o farol que apontava para aquilo que viria a ser esta nossa Associação.

A criação da ACAPO foi, assim, a concretização de um sonho de longa data, sobressaindo um jovem transmontano, de seu nome Francisco Alves, que teve o engenho e a arte para vencer atavismos, congregar pessoas e fundar um movimento pela primeira vez verdadeiramente nacional e representativo dos cegos e amblíopes portugueses. Apesar de se ter afastado cedo do associativismo para se dedicar às suas notáveis carreiras académica e literária, o Francisco é seguramente o vulto mais significativo na concretização deste fantástico sonho.

Sucedeu-lhe o José Guerra, que também faz história na liderança da ACAPO, entregando-se-lhe com alma e coração. Recordo em especial a sua humildade e competência. Infelizmente deixou-nos muito cedo de uma forma dramática e brutal. Não deixa de ser uma triste e trágica ironia que ele que mais do que ninguém tanto lutou pela promoção das acessibilidades tenha perecido numa ratoeira da via pública. É uma macabra metáfora da situação em que ainda nos encontramos. Exigir sem tréguas a reparação moral e material pela sua perda é uma forma de honrar a sua memória.

Voltando à história da ACAPO. Certo dia toca o meu telefone:

- “Quem fala?”

- “Não nos conhecemos, sou Carlos Iglésias...”

Direto, incisivo e assertivo, em poucos minutos o Carlos Iglésias convidou-me para encabeçar uma lista candidata à Direção da ACAPO. Pensei: “Que jovem decidido!” Antevi ambição e fortes ventos de mudança, pois a juventude estava em alta na ACAPO. Uma equipa disposta a assumir desafios audazes e que não temia fazer as roturas necessárias para modernizar a Instituição.

Foi assim que cheguei à liderança da ACAPO uma década após a sua fundação. Não tenho a pretensão de ser bom juiz em causa própria, julgando-me totalmente objetivo no balanço do trabalho realizado. Ainda assim, e com a humildade de quem admite poder estar errado, procurarei a seguir dar breve nota dos eixos fundamentais dos mandatos da Direção a que presidi.

As linhas mestras do projeto empreendido podem sintetizar-se nas seguintes ideias: sustentabilidade financeira, credibilização, capacidades de ação e influência da ACAPO e alteração da perceção social das pessoas com deficiência visual. Para atingir tais objetivos: (i.) reposicionou-se a organização, fazendo-a evoluir de uma matriz assistencialista para uma matriz de prestação de serviços, tendo-se para o efeito procedido a um reforço dos quadros técnicos, (ii.) alterou-se o foco da atuação, acrescentando-se à atividade reivindicativa o posicionamento como parceiro credível e capaz em processos de diálogo social, deste modo, para cada reivindicação passou a “oferecer-se” uma solução credível e (iii.) introduziu-se um novo modelo de financiamento assente em parcerias com a segurança social e outras entidades públicas e privadas, prescindindo-se do sorteio que tanto contribuía para alimentar o preconceito do “ceguinho” pedinte. Nunca é demais sublinhar o passo extraordinário que foi o fim do sorteio. Era um sonho que parecia impossível de alcançar, foi uma enorme ousadia terminar com ele, mas a história mostrou que era possível e que os ganhos para os deficientes visuais portugueses eram assinaláveis. É também de ressaltar o reforço da atuação no domínio da promoção da cidadania, podendo dar-se como exemplo a petição apresentada à Assembleia da República reivindicando a representação das pessoas com deficiência nos diversos centros de decisão.

Os mandatos foram, assim, regidos por um projeto modernizador, importando chamar a atenção para a equipa que o concebeu e o implementou. Pela sua irreverência, ambição e competência, bem como pelo excecional contributo que deram, quero destacar da vasta equipa o Carlos Iglésias, a Odete Fiúza, o Renato Gonçalves, a Rita Aboim Inglês e o Sérgio Gomes da Silva. Nos seniores nunca é demais destacar o Francisco Alves e a Maria Alice Carvalho, que muito me inspiraram e com que sempre pude partilhar reflexões.

Importa, também, assinalar a ajuda que nos foi dada pela ONCE. Nada teria sido possível sem a sua colaboração técnica e assistência financeira.

Para terminar quero deixar uma saudação a todos os associados que ao longo dos tempos tiveram a coragem para assumir cargos associativos, dos fundadores àqueles que hoje estão em funções. A ACAPO é como uma grande nau que navega em mares de fortes tempestades, sendo necessário coragem e tenacidade para assumir o seu comando.

Saúdo também os Associados em geral, razão essencial da vida da Instituição e todos os trabalhadores que ajudaram a construir esta nau e a fazem navegar.

Primeiramente permito-me saudar e cumprimentar em particular a Dra. Anabela Mota, bem como todos os trabalhadores e trabalhadoras desta magna Instituição por todo o empenho e lealdade.

O enriquecimento humano que alcancei nesta Instituição faz-me pensar que tenho uma dívida para com a ACAPO, que nunca poderei pagar. Tentarei, ainda assim, amortizá-la no meu dia a dia como cidadão e Associado, continuando a pugnar pelas causas e aspirações dos cegos e amblíopes de Portugal.